Título: Raízes jurídicas da informalidade no trabalho
Autor: Jantalia, Fabiano
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Não é novidade que um dos grandes males econômicos que assolam o Brasil, sobretudo quando se fala em crescimento sustentado, é o alto índice de informalidade do mercado de trabalho. Segundo dados recentes do Banco Mundial (Bird), cerca de 55% dos postos de trabalho da área urbana no Brasil são informais. Dados ainda mais preocupantes são apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): em setores importantes da economia, como indústria, comércio e serviços, apenas um em cada dois trabalhadores possui carteira assinada.

Tamanha informalidade tem origem maior no alto custo de contratação de mão-de-obra no Brasil. Não se desconhece que boa parte desse custo decorre da distorcida estrutura tributária de nosso país, que onera a folha de pagamentos. Contudo, não há como fechar os olhos a uma dura realidade: a legislação trabalhista brasileira, surgida em contexto histórico distante do que vivemos atualmente, tornou-se obsoleta e pouco efetiva. O legislador, tão progressista em outros ramos do direito, ainda se prende ao vetusto dirigismo contratual na seara trabalhista, criando um arcabouço tão burocrático para contratação de mão-de-obra que acaba tornando o vínculo empregatício um mau negócio para todas as partes.

Ainda assim, a simples menção à necessidade de revisão das leis trabalhistas já desperta uma forte reação dos atores envolvidos, que se perdem em discussões inutilmente maniqueístas. Em um extremo, os empresários, culpando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) por todos os males da economia. Em outro, representantes dos trabalhadores, guiados pela antiquada visão de que somente a lei pode garantir direitos. Intermediando os interesses, o governo, que, com ingenuidade ou prepotência, ainda acha que pode resolver os problemas da economia pelo Diário Oficial.

O debate sobre a reforma trabalhista se transformou em um grande jogo de cena, em que sobra hipocrisia e falta senso prático. Fato é que não há como prescindir da regulação das relações trabalhistas por lei, estabelecendo um conjunto mínimo de direitos, e, neste sentido, não pode ser vista como responsável uma postura empresarial que pretenda rasgar a CLT. Mas tampouco responsável é a postura dos representantes dos trabalhadores, que preferem o modelo garantista formal que vige há 60 anos, ao alcance de apenas metade dos trabalhadores em atividade, em vez de buscar um modelo que atenda de forma satisfatória e isonômica a todos, criando condições para retirar os demais da clandestinidade.

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Muito antes de ser um problema econômico, a informalidade é reflexo de uma má-formação congênita da produção legislativa no Brasil, onde ainda se criam leis sob a perspectiva puramente deôntica, focada quase exclusivamente na conduta do agente, isoladamente considerada, e não no resultado prático que se pode alcançar com as normas. O importante é estar na lei. Se isto será ou não cumprido, aí já não é problema do legislador.

É preciso alterar este paradigma e conferir à produção legislativa uma boa dose de pragmatismo. Afinal, ninguém cumpre a lei apenas por razões morais ou sociais: cumpre porque, ou na medida em que, isto lhe traz benefícios e utilidades. Se é fato que este pensamento não reflete a motivação para todas as ações humanas, também é incontestável que, pelo menos na economia, é a busca da eficiência, sobretudo por meio de cálculos de custos e benefícios e avaliação de riscos, que norteia a ação dos agentes econômicos. Se o legislador pretende regular de maneira eficiente o comportamento do "homus economicus", deve atuar de forma preponderantemente voltada a induzir o comportamento dos agentes.

No que tange à seara trabalhista, a questão deve ser posta em termos bem realistas: o empresário não irá contratar mais trabalhadores e pagar todos os seus direitos trabalhistas apenas porque o governo quer. É preciso proporcionar estímulos à contratação de trabalhadores. E isto se consegue trilhando um caminho oposto ao que até vem sendo feito: em vez de formalizar os trabalhadores hoje excluídos, é preciso retirar as formalidades da contratação.

Contratar deve passar a ser algo simples, com cláusulas e condições estabelecidas pela vontade das partes, obedecidos alguns princípios básicos. Em lugar de um extenso rol de pormenores na lei, deve-se dar lugar ao contrato coletivo de trabalho, privilegiando os acordos e convenções coletivas como fontes do direito do trabalho. A própria estrutura remuneratória pode ser revista, com o salário dando lugar a uma sistemática de remuneração mista, que contemple uma parcela fixa com uma outra de participação sobre os resultados, na forma de bônus periódicos. Estímulos fiscais à maior contratação, como a adoção de alíquotas regressivas de contribuição social em função do número de trabalhadores, também seriam bem-vindos.

Estas são apenas algumas sugestões, às quais devem se somar tantas outras, quando a discussão sobre as relações trabalhistas no Brasil for dotada de menos idealismo e mais pragmatismo. Afinal, de que vale um direito assegurado em lei se ele não pode ser usufruído na prática?

Fabiano Jantalia é especialista em direito do Estado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), procurador do Banco Central do Brasil em Brasília e membro da Associação Brasileira de Direito e Economia

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