Título: Dólar barato e mercado interno estimulam processo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2007, Brasil, p. A3

O forte aumento do número de empresas importadoras evidencia o impacto da prolongada valorização do câmbio sobre a economia brasileira, ainda bastante fechada para padrões internacionais. Visto como saudável por economistas mais ortodoxos e criticado por analistas mais ligados à indústria, o processo tende a se acentuar nos próximos anos, estimulado pelo cenário formado pelo dólar barato e pela demanda interna robusta.

O diretor de pesquisa macroeconômica do Bradesco, Octavio de Barros, vê o movimento como positivo. "As importações aumentam o investimento, a produtividade a produção, as exportações e, de lambuja, ajudam no combate à inflação", diz ele. "Os juros estão caindo no Brasil, em grande medida, graças ao fato de que um número crescente de setores está mais exposto à competição do produto importado."

Barros diz que, quando a competição externa chega, alguns setores de fato mostram "capacidade de resistência menor". Em alguns casos, avalia, há quem tenha de enfrentar a concorrência do importado que entra sem pagar impostos, o que é obviamente um problema.

"Nossas pesquisas sugerem que esses setores não estão de braços cruzados, lamentando a invasão do importado. Eles estão reagindo de modo muito estratégico, se consolidando, se deslocando regionalmente e fazendo ajustes similares aos que estes mesmos setores fizeram em vários países." Para Barros, "achar que o ciclo de importação é apenas destruidor de produção local é subestimar a inteligência estratégica da indústria brasileira, que tem padrões de excelência gerencial raramente encontrados no mundo emergente".

O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, mostra preocupação com o processo. Ele considera saudável o aumento das compras de máquinas e equipamentos, em geral associadas a projetos de ampliação da capacidade produtiva. Essas importações funcionam como um complemento à produção local.

O que incomoda Pereira é o crescimento da importação de bens finais, como os de consumo, e de matérias-primas e insumos. Nesse caso, é grande a possibilidade de estar em curso uma substituição da produção doméstica por produtos importados. "Isso me preocupa, porque implica mudanças estruturais na economia, que só são percebidas no longo prazo", diz ele, referindo-se ao risco de que empresas tenham de fechar devido à forte competição externa. No curto prazo, os problemas ficam em segundo plano, ofuscados pelo bom desempenho da economia.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, acredita que o número de empresas importadoras vai continuar a crescer com força pelo menos nos próximos dois anos, uma vez que o câmbio tende a seguir valorizado. Ele diz que o movimento é muito saudável para o consumidor, que pode contar com preços mais baixos devido à maior competição externa. Empresas que podem comprar insumos importados mais baratos também se beneficiam, por conseguir reduzir custos, diz ele. O problema fica com as empresas que não têm como competir com a concorrência importada. Como o país tem problemas de infra-estrutura e carga tributária elevada, o câmbio valorizado pode ser fatal para alguns segmentos.

O professor Samir Cury, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem uma visão mais parecida com a de Barros. Apesar de cada vez mais empresas estarem buscando produtos, ele considera o número ainda pequeno em relação ao total de indústrias instaladas no Brasil. Lembra que o país ainda nem recuperou o patamar de 1997, época do ápice do Plano Real, outro período de dólar barato. "A elasticidade de importação no Brasil em relação ao câmbio é uma das mais baixas do mundo", diz Cury.

O economista ressalta que o aumento das importações deveria ter sido maior, dada a magnitude de valorização recente do real. Para ele, as empresas brasileiras enfrentam dificuldades para trocar o fornecedor nacional pelo externo, por conta da alta proteção, da burocracia e dos problemas logísticos. No Brasil, as importações equivalem a pouco menos de 9% do PIB, bem abaixo dos mais de 30% da China e México. (SL e RL)