Título: Governo descarta apagão, mas admite déficit em 2011
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2007, Brasil, p. A5

O governo minimizou ontem a possibilidade de um apagão de energia nos próximos anos, mas reconheceu que existe um "buraco" de 1.400 megawatts (MW) médios para atender o mercado em 2011 e estimou em até 5,9% o risco de desabastecimento das regiões Sudeste e Centro-Oeste naquele ano - percentual acima do nível máximo de 5%, considerado como margem de segurança para a operação do sistema.

"Até eu fiquei estarrecido com isso", afirmou o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Ele acrescentou, porém, que esse cenário é para uma expansão mais acelerada da economia - de 4,8% ao ano - e partindo do pressuposto de que nenhum megawatt será contratado no leilão de ajuste do ano que vem, para suprir a demanda de 2011. "O que não é factível", emendou Tolmasquim.

Tolmasquim e o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, adotaram um discurso de que recentes estudos divulgados pela iniciativa privada, apontando risco bem maior de um apagão, são uma estratégia de "terror" para aumentar preços e não devem ser levados a sério.

Tolmasquim admitiu que a nova oferta poderá vir de usinas térmicas a óleo combustível - mais caras e mais poluentes. Hubner assegurou que o atual volume dos reservatórios afasta qualquer possibilidade de apagão em 2008 - daí para frente, é impossível prever o regime hidrológico, mas a energia está contratada - e disse que o país só viverá um novo racionamento, no início da próxima década, "se formos absolutamente incompetentes".

Mas afastar completamente o risco de racionamento, conforme ressaltou o próprio governo, exige que duas premissas sejam seguidas à risca. A primeira é de que não haverá atrasos na entrada em operação de 16 mil MW entre 2007 e 2011 - oriundos de usinas como Estreito, Serra do Facão, Foz do Chapecó, Simplício, Mauá e Dardanelos.

Para isso, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrará pesado nos tribunais para combater liminares que paralisem as obras. A segunda premissa é de cumprimento do cronograma de expansão da oferta de gás, o que pressupõe o respeito da Petrobras a um termo de compromisso assinado em maio com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "A Petrobras nos esclareceu, com todas as letras, que vai cumprir (com o acordo)", completou Hubner.

Ele e Tolmasquim foram porta-vozes de uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu tomar as rédeas do setor. Segundo relatos de participantes, Lula perguntou muito, traçou recomendações, fez cobranças à EPE e ao Ministério do Meio Ambiente. Da EPE, o presidente quer mais agilidade na elaboração de estudos e inventários que formem uma nova carteira de projetos hidrelétricos.

Lula chegou a dizer que não quer deixar a seu sucessor uma situação de falta de usinas para serem licitadas. Da área ambiental, quer maior coordenação com o Ministério de Minas e Energia e outros órgãos envolvidos nos licenciamentos, como a Funai.

Aos usineiros, houve críticas sobre as taxas de retorno pedidas para executar projetos de co-geração de energia a partir do bagaço de cana. O CNPE avaliou que os usineiros têm aproveitado as dúvidas em torno do suprimento de energia no início da próxima década para exigir taxas de retorno do investimento superiores a 20%, índice considerado pouco realista com as condições macroeconômicas do país.

Lula determinou à Eletronuclear fazer estudos para a localização de uma nova usina nuclear, com 1.000 MW de potência, que deverá ser construída até 2020. Mas já sugeriu um local: o município de Caetés, município pernambucano que se desmembrou de Garanhuns, sua terra natal. Os participantes sorriram e ficaram sem saber se tratava-se de uma brincadeira ou não. De fato, a Eletronuclear já manifestou interesse em escolher um município nas margens do rio São Francisco para abrigar uma nova usina nuclear. Por enquanto, contudo, todos os esforços serão focados em Angra 3 e o presidente deverá assinar nos próximos dias a resolução do CNPE que recomendou a retomada da usina.

A reunião de ontem, no Palácio do Planalto, teve um foco de tensão, entre o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. A Aneel tem indícios de que a estatal descumpriu, em junho e em julho, o termo de compromisso para suprir gás às térmicas. Teriam faltado 900 MW médios a três térmicas - Norte Fluminense, Termobahia e Fafen.

A Petrobras rejeitou a acusação e deu explicações à agência reguladora. Gabrielli atribuiu o não-suprimento de gás aos Jogos Pan-Americanos. Isso teria levado a estatal a privilegiar o fornecimento de insumo às termelétricas que abastecem o Rio de Janeiro - Termorio e Eletrobolt -, a fim de evitar imprevistos. Mas o resultado líqüido da quantidade de energia gerada pelas térmicas teria estado de acordo com o termo de compromisso. Hubner entrou em defesa da estatal. "As penalidades são altas e a Petrobras não é maluca de jogar dinheiro fora", observou aos jornalistas.

Em pleno período de seca, os reservatórios estão com 79% de sua capacidade total no Sudeste e com 75% no Nordeste, segundo Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). "Mesmo que as precipitações no próximo período chuvoso, de dezembro a abril, sejam as mais baixas da série histórica, a energia até o fim de 2008 está garantida", afirmou Chipp. Ele acrescentou que, com exceção da região Sudeste, em 2011 todas as estimativas do ONS prevêem risco de racionamento inferior a 5%, índice considerado aceitável.