Título: Medidas contra o apagão aéreo enfrentam resistência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2007, Opinião, p. A12

Após o maior acidente aéreo da história nacional, é preciso tomar providências urgentes e draconianas para acabar com o apagão no setor e melhorar a qualidade da segurança de vôo nos aeroportos brasileiros. Crescem os indícios de que a queda do Airbus da TAM, que provocou a morte de 199 pessoas, foi causado por falhas humanas, talvez acompanhadas de defeitos mecânicos. Não se pode, entretanto, descuidar dos defeitos no sistema de tráfego aéreo, que ficaram patentes nos últimos dez meses sem que uma solução fosse encaminhada. Depois de o governo ter entrado atrasado em ação, e após os discursos enfáticos do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, tudo parece caminhar de novo para o famoso e nefasto "jeitinho" brasileiro.

Há uma responsabilidade evidente de todos os integrantes do sistema aéreo na busca de soluções que trarão desconforto a todos, a começar pelos passageiros, que já amargam o caos há um bom tempo. A oferta de vôos não tem acompanhado a demanda e a bagunça nos aeroportos mostrou que esse descompasso se resolveu de fato com o cancelamentos de vôos muito acima da média do que seria razoavelmente tolerável. Não é preciso ser um especialista no setor para adivinhar que, durante um período de reestruturação e execução de soluções, o número de vôos terá de ser reduzido. O alerta das empresas aéreas ao Ministério da Defesa de que não há aviões suficientes para cumprir com o novo desenho da malha aérea nacional seria apenas uma constatação, se não fosse acompanhado, segundo O Globo, de reclamações de que as ações do governo significam grave intervenção no mercado - a esta altura, um argumento estapafúrdio.

As companhias aéreas deveriam ser as primeiras a reclamar da falta de condições da infra-estrutura aeroportuária e a reduzir os vôos se não percebessem que condições de segurança necessárias existem. Não fizeram isso, como é comum nos países desenvolvidos, e o fato de que após a morte de 199 pessoas reclamem por liberdade de mercado, indica que não o farão. Fariam melhor se cuidassem das condições dos aviões que estão voando por muito mais horas de vôo que no passado. Apenas ontem, duas aeronaves apresentaram problemas e não decolaram. Um Airbus da TAM, teve defeitos na turbina e não saiu de Belém. Algo parecido ocorreu com um Boeing da BRA em Recife. Durante os dez meses do apagão aéreo, sempre ficaram no ar as suspeitas de que pressão das companhias aéreas estiveram por trás da reabertura precipitada da pista de Congonhas e, agora, do adiamento das obras na pista principal do aeroporto de Guarulhos.

O governo, com indesculpável letargia, prometeu agir, mas enreda-se aos poucos na tradicional acomodação. A infra-estrutura dos aeroportos está em pedaços e não se deve contemporizar com este fato após um acidente como o do dia 17 de julho. A pista do aeroporto de Guarulhos foi feita para durar 20 anos, já dura 22 e sua reforma foi adiada. Com as fissuras no asfalto, há "apenas" o risco de estouro de pneus dos aviões. A transferência de vários vôos de Congonhas para lá foi o suficiente para entupir o aeroporto. Agora sabe-se que Cumbica passará por uma operação tapa-buracos até 2008, quando virá - se vier - a reforma.

Desacorçoado, o governo improvisou medidas de longo prazo. A promessa de construção de novo aeroporto em São Paulo, anunciada pelo presidente Lula, entrou no limbo. A promessa do presidente foi revisado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, após encontro com o governador tucano de São Paulo, José Serra, eventual candidato à sucessão de Lula. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, diz que a prioridade do novo aeroporto continua de pé, o que está longe de significar que a idéia vá de fato decolar. Jobim, por seu lado, chegou ao ministério apontando suas baterias para a incompetência da Agência Nacional de Aviação Civil e não fala mais no assunto, enquanto o PT começa a fazer barulho contra o "estranho no ninho".

Dez meses de caos mostraram que sem diagnósticos corretos e um cronograma factível de medidas, com prazo fixo, o apagão aéreo continuará no ar. Sem clareza de objetivos, o governo e a cúpula do setor aéreo continuarão sujeitos a pressões políticas e comerciais, indo do nada a lugar nenhum.