Título: Entre a universalização e a 'pirotecnia'
Autor: Borges, André e Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2007, Empresas, p. B3

A recente multiplicação dos projetos de cidades digitais pode deixar a sensação de que eles são um remédio infalível para universalizar a internet no Brasil. Não é tão simples assim.

Ainda que permita o acesso sem fio à web numa determinada área, o WiFi (tecnologia usada, até agora, na maior parte dos casos) requer algum tipo de conexão com redes de banda larga. E nem sempre elas estão disponíveis ou são economicamente viáveis em localidades pequenas.

Dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros, nem 2 mil são atendidos pelas redes de internet rápida das operadoras de telefonia (conhecidas pela sigla DSL) ou de TV por assinatura. Como alternativa tecnicamente acessível, restariam os satélites, mas aí esbarra-se no quesito preço, inviável para a maior parte das prefeituras.

Custo é, obviamente, o maior entrave. Não há interesse das teles em levar conexão de banda larga a cidades com poucos clientes em potencial. Segundo fonte de uma operadora, o sistema de transmissão de internet precisa ter o triplo da capacidade que é necessária na telefonia. Quando há poucos assinantes para cobrir o investimento, a conta não fecha.

Embora seja barato instalar uma antena WiFi, as prefeituras podem morrer na praia se não houver disposição das operadoras em estender suas redes até lá.

"A expressão cidades digitais desperta muito interesse, especialmente no meio político. Mas, quando você olha de perto, vê que existem muitos movimentos pirotécnicos", diz fonte de uma tele. "Cria-se a sensação de que [o WiFi] é uma solução, mas não é."

De fato, alguns projetos em vigor foram implantados por fornecedores de tecnologia em caráter de "degustação". Por enquanto, as prefeituras pagam muito pouco ou nada por eles e os fabricantes usam essas pequenas redes como laboratórios e propaganda de seus produtos.

Mas também há casos em que vigoram parcerias público-privadas justamente para bancar os custos da transmissão digital. O Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro (Proderj) tem atuado nessa linha. Em parceria com prefeituras e fornecedores, a autarquia inaugurou projetos neste ano em cidades como Valença, Visconde de Mauá e Paraty.

Digitalizar serviços públicos e levar internet aos cidadãos de menor renda geralmente são os objetivos dos municípios que se engajam na criação de redes WiFi, segundo relatório da Muniwireless, organização que acompanha projetos desse tipo ao redor do mundo. E, claro, há um apelo político inegável (as eleições para prefeito estão logo aí, em 2008).

Por isso, não é apenas no Brasil que os municípios digitais estão em franca expansão. Nos Estados Unidos, por exemplo, há 92 cidades ou condados cobertos, além de 68 "hotzones" urbanas (casos em que a rede atende apenas uma área do município). Esses números eram, respectivamente, de 59 e 32 em junho do ano passado, de acordo com a Muniwireless. E o volume de projetos ainda não implementados também só tem feito crescer: há planos para mais 215 redes agora, contra 121 na metade do ano passado.

A questão é saber se as redes WiFi vieram para ficar ou se perderão lugar, num futuro não muito distante, para outras tecnologias. Para alguns especialistas, as redes de terceira geração da telefonia celular e as de WiMax (padrão de internet sem fio com maior alcance que o WiFi) deverão se tornar preponderantes à medida que se tornarem mais baratas. Mas na avaliação de outros elas coexistirão com o WiFi, que será uma alternativa mais acessível para regiões pobres. (TM)