Título: CPIs brigam por causa de vazamento de informações
Autor: Jayme, Thiago Vitale e Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Política, p. A8

O senador Demóstenes Torres (DEM), relator da CPI do Apagão Aéreo da Câmara, disse ontem que os 24 deputados da CPI da Câmara "deveriam renunciar aos seus mandatos" caso tenha partido deles o vazamento dos dados da caixa-preta do Airbus da TAM. A declaração foi dada ontem, na abertura dos trabalhos da comissão, quando foram debatidas vedações internacionais à divulgação de tais informações.

Em reunião da CPI da Câmara, na quarta-feira, os deputados divulgaram as conversas travadas dentro da cabine do avião registradas pela caixa-preta. Demóstenes reprovou a conduta dos parlamentares. O posicionamento do senador irritou os integrantes da CPI da Câmara.

O vice-presidente da comissão, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fez uma resposta formal durante a reunião de ontem da CPI. "Repudiamos a declaração do senador. Em nada elas somam no sentido de ajudar nas investigações", disse o pemedebista. "É um desrespeito a quem trabalhou no recesso, enquanto outros estava de férias", afirmou. Enquanto a CPI da Câmara interrompeu o recesso parlamentar para começar as investigações sobre o acidente com o avião da TAM, a do Senado manteve as férias.

O presidente da CPI do Senado, Tião Viana (PT-AC), foi quem iniciou o debate sobre o vazamento na reunião. Ele lembrou de convenções internacionais que proíbem tais divulgações. Na Câmara, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) defendeu a atitude da CPI.

Para o tucano, as convenções internacionais vedam a divulgação, salvo se permitida por decisão judicial. Como a Constituição dá à CPI "os mesmos poderes de investigação das autoridades judiciais", as normas internacionais não teriam sido desrespeitadas. De fato, embora o Brasil seja signatário da Convenção de Chicago, de 1944, o que o obriga a manter em sigilo as investigações de acidentes aéreos, a legislação nacional de cada signatário se sobrepõe à convenção.

A divulgação, entretanto, pode complicar a manutenção do Brasil na elite da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), ligada às Nações Unidas e com sede em Montreal. A entidade divide seus integrantes em três categorias - que representam, de forma geral, o grau de respeito com que os países são tratados na aviação mundial. Há décadas o Brasil ostenta o nível 1 da Oaci. Isso garante uma série de benefícios, agora ameaçados por um eventual rebaixamento na classificação.

Esse rebaixamento não ocorre da noite para o dia, mas o Comando da Aeronáutica e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) o consideram como uma possibilidade concreta. Mudanças na classificação da Oaci só acontecem após uma auditoria da entidade. A próxima auditoria no Brasil está marcada para fevereiro de 2008, mas há rumores de que ela pode ser antecipada para outubro.

Há uma série de implicações negativas com uma eventual queda para o nível 2. Uma das maiores seria, na avaliação da Anac e da Aeronáutica, para a Embraer. O nível 1 da Oaci garante, entre os países membros, um reconhecimento de confiança mútua na área de homologação de aeronaves. É por isso que, quando vende um avião para o exterior, a Embraer precisa apenas da certificação operacional da Anac para provar que tem um produto seguro. Se o Brasil for rebaixado para o nível 2, a Embraer precisará de certificação internacional para cada avião.

Poucos acreditam que a divulgação dos dados da caixa-preta do vôo 3054 da TAM, isoladamente, faria o Brasil cair na classificação. Mas o episódio foi visto pelas autoridades aeronáuticas como um ingrediente a mais na perda de credibilidade do país junto à Oaci.