Título: Movimentos sociais reagem com ceticismo
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Política, p. A9

A convocação feita pelo PT aos partidos da base aliada e aos movimentos sociais para a defesa do governo federal não será aceita de forma imediata pelas entidades populares. Os maiores grupos organizados demonstraram que a relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa melhorar, apesar das promessas feitas pelo governo de abrir mais caminhos de diálogo no segundo mandato.

As manifestações contrárias ao governo, como as vaias na abertura dos jogos Pan-americanos e a criação do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, batizado de "Cansei" (encabeçado pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil), não estão, por exemplo, na pauta de discussões do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O líder do movimento, João Pedro Stedile, resumiu seu comentário a poucas palavras: "Essa não é nossa pauta. Pode esquecer".

A União Nacional dos Estudantes (UNE) também não se mostra disposta a encampar, de imediato, o pedido de apoio feito pelo PT. "Defendemos uma postura independente e vamos cobrar cada vez mais do governo", diz a presidente da entidade, Lúcia Stumpf. Segundo a líder estudantil, o movimento não iria às ruas para defender um governo. "Sairíamos às ruas para defender a democracia, por um Brasil mais justo, com ética na política".

A Central dos Movimentos Populares reforça as ressalvas para construir um grande movimento popular em favor do presidente Lula neste momento. De acordo com o líder da central, Luiz Gonzaga, conhecido como Gegê, "o governo é que tem de se defender". "Não vamos sair às ruas para defender o governo. Se sairmos às ruas será em defesa nossa, dos movimentos sociais, da democracia e da liberdade", afirma. Gegê pondera, entretanto, que o presidente Lula foi usado como "boi de piranha" pelas classes médias e alta na crise do setor aéreo e que está sendo criticado por problemas que não são de sua competência.

A resistência dos movimentos sociais em aderir a uma ampla defesa do governo Lula deve-se, entre outros outros fatores, à participação restrita das entidades na elaboração dos programas do governo. Na análise feita por Antonio Carlos Spis, integrante da Coordenação dos Movimentos Sociais (entidade nacional que reúne os grupos) e dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), os movimentos sociais "mostram a cara" e defendem Lula quando é preciso, como no auge da crise do suposto mensalão e no segundo turno eleitoral, entretanto não conseguem aumentar o espaço de participação no governo. "Não temos medo de enfrentar as denúncias. Mas o que me incomoda é que damos a cara a tapa e o governo não dá um passo em nossa direção", diz.

Das maiores entidades, a CUT foi a única a defender publicamente o governo e propôs a criação do movimento "Cansamos", para equilibrar as críticas do "Cansei". O presidente da CUT São Paulo, Edílson de Paula, ataca esse movimento como uma "atitude oportunista e marqueteira", de um grupo que se "aproveita sorrateiramente da comoção social para tirar proveito político da situação". Para o dirigente da CUT e secretário sindical do PT, João Felício, as vaias e as críticas recebidas pelo presidente Lula são orquestradas pela "ultra-progressista classe média alta paulistana", que "não se conforma que a vitória de Lula" e seu governo. "Quando o PSDB era governo e o PT vaiava os tucanos, éramos tachados de anti-democráticos. Agora, somos vaiados e ainda somos chamados de anti-democráticos".

Os ataques ao governo devem entrar na pauta dos movimentos no Fórum Social Nordestino, que começou ontem e vai até o domingo em Salvador. Tanto a UNE quanto a CUT programam atividades para agosto, mas dizem que não estão ligadas à defesa do governo. A entidade estudantil prepara uma jornada de reivindicações entre os dias 20 e 24. Já a dos trabalhadores será no dia 15. O evento será dois dias antes da manifestação do "Cansei" (quando completará um mês do desastre que matou 199 pessoas), mas a CUT diz que a data foi marcada antes do acidente.