Título: Uma sugestão às instituições ambientais
Autor: Godoy, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Opinião, p. A12

O Estado brasileiro é um organismo plural, multifacetado, onde surgem, habitualmente, conflitos de visão entre as instituições e os órgãos públicos. No entanto, o Estado deve servir a um princípio básico: o bem-estar do conjunto da população. Independentemente do ponto de vista de cada um, todos têm a mesma missão - ou deveriam ter: promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social. É difícil, para tal, prescrever outro remédio que não seja um forte programa de investimento em infra-estrutura.

A construção de mais infra-estrutura tem a ver com a redução da pobreza tanto quanto os programas de distribuição de renda. Na camada dos mais pobres, com renda domiciliar de até três salários mínimos, entre 60% e 85% deles não têm acesso completo ou adequado a serviços públicos como água tratada, coleta de esgoto, eletricidade e telefonia. De todos aqueles que não são atendidos, ou seja, o déficit em cada setor, a imensa maioria é de famílias menos favorecidas. A infra-estrutura existente hoje atende muita gente, mas, entre aqueles que não são atendidos, a maioria está entre a população de baixa renda.

Os números definem melhor o tamanho da falta de atendimento entre os mais pobres. No Brasil, há 58,3 milhões de pobres sem coleta de esgoto. Eles representam 61,2% de todos os brasileiros que não têm o serviço. Isso significa que em cada dez pessoas sem acesso ao serviço de coleta de esgoto, seis são pobres. A proporção é a mesma para outros serviços públicos. Dos 35,3 milhões sem acesso adequado à água tratada, 70% são pobres. Na energia elétrica, os mais pobres representam 85,7% do conjunto de pessoas sem eletricidade, o serviço mais próximo de ser universalizado. Na telefonia, onde é necessário abrir parênteses, os mais pobres representam 82,9% dos 53,1 milhões de brasileiros que não têm telefone fixo ou celular.

A telefonia é um caso à parte, pois a infra-estrutura foi universalizada. Mesmo sem ter um telefone fixo ou celular na residência, há acesso público, nas ruas. Nesse setor, como nos outros, o que dificulta ou impede o consumo é a renda da população, muito baixa no Brasil, e a alta carga tributária incidente sobre esses serviços tão essenciais. Mas, sem a arrogância de tentar estabelecer se a falta de acesso a serviços provenientes da infra-estrutura é causa ou conseqüência, fica evidente que é preciso expandir, sem demora e de forma acelerada, a infra-estrutura em todos os setores, até porque o crescimento da produção e do consumo demanda mais energia e mais capacidade na malha de transportes. Os órgãos ambientais, como qualquer instituição pública e privada, têm uma enorme responsabilidade nesta empreitada e podem ser agentes determinantes para o sucesso.

-------------------------------------------------------------------------------- A terceira via deve ser o caminho da conservação e do impacto mínimo, com o uso sustentável dos recursos naturais --------------------------------------------------------------------------------

Esse desafio faz das organizações não-governamentais e das instituições públicas co-responsáveis pelo crescimento econômico, pelo desenvolvimento social, pelo bem-estar geral. Trata-se de uma mudança de paradigma, uma ampliação do escopo, por pura sobrevivência. A dicotomia entre investidores e ambientalistas é falsa, pois ambos devem ser guardiões do meio ambiente, tanto por razões culturais e sociais quanto por motivos econômicos. A terceira via não pode ser vista como chavão, mas como caminho concreto. Se o desenvolvimento for inviabilizado por motivos ambientais, a conservação da natureza será igualmente prejudicada pela pobreza conseqüente da estagnação econômica e social. Trata-se de uma briga que não pode existir: o lado vencedor será automaticamente prejudicado pela simples inexistência do perdedor.

A responsabilidade que cabe às autoridades e lideranças econômicas - promover o desenvolvimento econômico e social - serve também às ambientais. Ao mesmo tempo, os brasileiros - principalmente os mais pobres, que representam a maior parcela dos desassistidos por serviços públicos - precisam opinar em qual ritmo eles querem ser atendidos. Não existe mágica para a redução da pobreza: se o país não for capaz de investir pesado na infra-estrutura e na produção para acelerar o crescimento, será preciso alocar recursos em programas de transferência de renda por séculos e séculos - e o mundo não esperará o Brasil.

A expansão e a modernização da infra-estrutura não substituem os cuidados com a natureza, mas é necessário ter em mente que o impacto nulo ao meio ambiente é um mito. Qualquer ação humana causa efeito nocivo aos biomas. Por simples realismo, a terceira via é o caminho da conservação e do impacto mínimo, com o uso sustentável dos recursos naturais. Empreendimentos de infra-estrutura são cercados de legislação, fiscalização, investimentos em mitigação, gastos em compensação, o que não ocorre com atividades predatórias, praticadas à margem da fiscalização do Estado.

A instalação de infra-estrutura, por si só, é ainda insuficiente. Os investimentos em transportes e energia, por exemplo, precisam vir acompanhados da devida presença do Estado, por meio das instituições e órgãos públicos que o representam. Não cabe ao investidor construir redes de proteção e atendimento social, como rotineiramente eles são exigidos. A população, principalmente aquela presente nos rincões do país, diante da insuficiência ou até mesmo da inexistência da ação do poder público, enxerga, recorre e cobra dos empreendedores soluções e responsabilidades que não são deles. Trata-se da justa causa no balcão errado. Pior: muitas vezes incentivada pelo próprio Estado.

O pessimismo característico do problema no presente felizmente não guarda relação com o otimismo diante das possibilidades de resolvê-lo. É preciso acabar com os falsos dilemas. Desenvolvimento e meio ambiente são mutuamente dependentes. Os dois lados têm de alargar os escopos e promover paralelamente a proteção e a conservação tanto quanto o investimento e o crescimento econômico. Àqueles que já trilham esse caminho, parabéns pela vanguarda e visão. Aos outros, fica a sugestão.

Paulo Godoy é presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib) e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).