Título: Animais domésticos são cada vez mais 'humanos' nos gastos
Autor: Brade, Diane e Palmeri, Christopher
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Especial, p. A14

Se ainda existe dúvida de que os mimos com os animais de estimação estão fugindo de controle, a discussão deve se encerrar de uma vez por todas pelo Neuticles, um sistema patenteado de implante de testículos à venda nos Estados Unidos por até US$ 919, o par. A idéia, segundo seu inventor, Gregg Miller, é "permitir às pessoas devolver a precisão anatômica aos seus animais de estimação" após a castração, para que eles mantenham sua aparência natural e a auto-estima. "As pessoas pensavam que eu era louco quando comecei, 13 anos atrás", diz o empresário de Minnesota. Desde então ele já vendeu mais de 240 mil pares das próteses, algumas implantadas em cães da pradaria, búfalos e macacos.

Os americanos gastam hoje US$ 41 bilhões com seus animais de estimação por ano - valor que só não é maior do que o PIB de 64 países. Isso é o dobro do total gasto com animais de estimação uma década atrás, com os gastos anuais devendo atingir US$ 52 bilhões nos próximos dois anos, segundo a empresa de pesquisas de consumo Packaged Facts. Isso coloca o custo anual da compra, alimentação e cuidados com animais de estimação acima do que os americanos gastam indo ao cinema (US$ 10,8 bilhões), jogando videogames (US$ 11,6 bilhões) e ouvindo música gravada (US$ 10,6 bilhões), juntos. "As pessoas não estão mais satisfeitas em tratar seus animais de estimação como animais de estimação", afirma Bob Vetere, presidente da Associação Americana dos Fabricantes de Produtos para Animais de Estimação (APPMA). "Elas querem dar condições humanas a eles." Isso significa hotéis no lugar de canis, aparelhos para endireitar dentes tortos e vestidos caninos cheios de babados para bailes. Os donos de animais de estimação estão se tornando consumidores cada vez mais exigentes, não aceitando produtos de baixa qualidade, ambientes desestimulantes ou serviços precários para seus animais. Mas a escalada do volume e dos custos dos serviços levanta questões éticas sobre até onde todo esse amor deve ir.

Até não muito tempo atrás, a frase "vida de cão" significava dormir do lado de fora, suportar as intempéries da natureza, viver com dores e sentar-se debaixo da mesa da cozinha à espera de alguns restos. Hoje, um cachorro tem uma vida muito melhor. A APPMA relata que 42% dos cães hoje dormem na mesma cama que seus donos, número que em 1998 era de 34%. Seu cardápio reflete todas as modas da alimentação humana - da carne orgânica e petiscos vegetarianos às refeições "gourmet". Metade dos donos de cachorros afirma que leva em conta o conforto de seus animais quando vai comprar um automóvel e quase um terço compra presentes para eles em seus aniversários. Richard Wolford, CEO e presidente do conselho de administração da Del Monte Foods, recusa-se até mesmo a usar a palavra "dono". "Qualquer pessoa que tenha um animal de estimação sabe quem é dono de quem", diz Wolford, que "pertence" a dois terriers Jack Russell. Os negócios de sua companhia voltados para os animais de estimação passaram a responder de zero para 40% das vendas e cresceram através da aquisição de marcas como Meow Mix e Milk-Bone.

O crescente status dos animais de estimação deu início a uma onda sem precedentes de empreendimentos num setor que outrora se resumia a ratos de pelúcia e bolas de borracha. Há hoje "banheiros" internos de US$ 430, perfumes de US$ 30 a onça e sobretudos de US$ 225 destinados aos consumidores de quatro patas. Até mesmo quem evita a alta costura animal está cada vez mais disposto a gastar com medicamentos para depressão ou ansiedade, psicoterapia, cirurgias de alta tecnologia contra o câncer, procedimentos cosméticos e cuidados no fim da vida. Cerca de 77% dos cães e 52% dos gatos foram medicados nos EUA nos últimos 12 meses. Alguns gastos podem ser estimulados por veterinários, por serem serviços mais lucrativos do que sacrificar animais.

Antes adquiridos como companhia para crianças, os animais de estimação são mais populares hoje entre casais cujos filhos não moram mais em casa, profissionais solteiros e casais que preferem esperar mais para ter filhos ou não tê-los. O que une esses grupos demográficos tão diferentes é uma tendência a ter mais tempo e recursos disponíveis. Com mais pessoas trabalhando a partir de casa ou vivendo longe de suas famílias, os animais de estimação também ajudam a amenizar o isolamento da vida moderna. Cerca de 63% dos lares americanos ou 71 milhões de domicílios possuem hoje pelo menos um animal de estimação, em comparação a 64 milhões há apenas cinco anos.

Empresas que vão da Procter & Gamble e Nestlé, a marcas do setor da moda como a Polo Ralph Lauren, além de milhares de pequenos empreendedores, estão farejando novas oportunidades no setor de animais de estimação. Depois dos produtos eletrônicos de consumo, os cuidados com animais de estimação são a categoria que mais cresce no varejo - cerca de 6% ao ano. A Del Monte mudou produtos importantes para que eles se pareçam mais com petiscos consumidos pelos humanos .

O alvo típico desses produtos é um amante dos animais como Graham Gemoets, que enche de luxos o seu amado "chi weenie" Bradford. "Ele é o meu melhor amigo e meu amigo com mais acessórios", diz Gemoets, cujas extravagâncias para Bradford incluem uma coleira Hermès de US$ 1.200, além de uma coleira de pérolas Chanel de US$ 500 para festas.

A corrida agora é para fornecer aos animais produtos e serviços mais parecidos com os vendidos aos humanos. A PetSmart, por exemplo, mudou sua missão de ser a maior vendedora de rações, para ajudar os consumidores a se tornarem "pais melhores" de seus pets. Além de tornar suas 928 lojas mais aconchegantes e realizar festas para animais de estimação, Francis está lançando "pet hotels" nessas lojas. As acomodações contam com suítes privadas com camas em plataformas elevadas e transmissão de programas de TV do Animal Planet por US$ 31 a diária, além de "cabines ossofônicas", onde eles podem receber ligações telefônicas de seus donos. Os gatos têm em seus quartos tanques com peixes vivos. Os hotéis ajudaram a PetSmart a ampliar seus negócios de serviços de quase nada em 2000 para US$ 450 milhões este ano.

Mario DiFante, que realizou a primeira Pet Fashion Week em Nova York, em agosto de 2006, tem uma visão elevada do lugar que os cachorros e os gatos têm na hierarquia familiar. Ele diz: "Muitos de nós consideramos os animais como os novos bebês". Isso significa vestir os pequenos peludos com linhas cada vez maiores de suéteres, sobretudos, jaquetas de couro e vestidos. A Little Lily, criada há quatro anos, consegue US$ 1 milhão por ano vendendo produtos que incluem chinelos para cachorros, biquínis e até mesmo versões caninas de vestidos usados pelas estrelas de Hollywood em noites de entrega do Oscar.

Os produtos pet agora querem fazer as pessoas sentirem que são super-boas com seus animaizinhos. Junto com os spas para cachorros, há as vans que os transportam para banho, tosa e outros cuidados, serviços de pedicure, profissionais dedicados a levar cães para passear e massagens terapêuticas. Treinadores como Cesar Millan - mais conhecido como "The Dog Whisperer" - constatam que subitamente sua experiência vem tendo uma procura elevada. Além de ter um programa no National Geographic Channel, Millan já escreveu livros que se transformarem em best-sellers, produz DVDs, uma linha de produtos e comanda seu famoso Centro de Psicologia Canina de Los Angeles, muito procurado por astros de Hollywood.

A disposição crescente dos donos de não economizar com seus animais também vem resultando na terceirização de aspectos desagradáveis de um negócio em crescimento acelerado. Mais de 350 agências de serviços já surgiram unicamente para livrar os donos da necessidade de recolher os dejetos de seus animais. Com o crescimento anual se aproximando de 50%, "a indústria do recolhimento de dejetos está passando agora por uma consolidação", diz Jacob D'Aniello da DoodyCalls, com 20 representações nos EUA.

Mas poucas partes do negócio vêm registrando tanta diversificação e crescimento quando a das rações. Há uma preocupação crescente com a nutrição, o sabor e até mesmo os padrões éticos do que vai para o estômago. Os donos cada vez mais transferem suas preferências para a alimentação de seus pets. E quando as coisas não dão certo, a reação é tão explosiva quanto se as vítimas fossem crianças. Os consumidores ficaram ultrajados pelo enorme recall de rações contaminadas por melamine, que mataram ou deixaram doentes milhares de cães e gatos nos Estados Unidos. .

-------------------------------------------------------------------------------- Por ano, 240 mil pares de testículos são implantados para recuperar a anatomia de animais castrados --------------------------------------------------------------------------------

Produtos alimentícios extravagantes são alvos fáceis para os críticos dos donos de animais de estimação indulgentes. Mas uma questão muito mais controvertida é a medicina veterinária, especialmente quando ocorre nos EUA um debate nacional urgente sobre os cuidados com a saúde humana. Os americanos gastam US$ 9,8 bilhões por ano com serviços veterinários. Isso não inclui medicamentos vendidos em pet shops e outros produtos, que elevam os custos em US$ 9,9 bilhões.

A taxa anual de crescimento dos principais serviços veterinários foi de 10% na última década. Grande parte da inflação no setor de cuidados com animais de estimação se deve aos avanços medicinais, que vêm levando as pessoas a procurar de tudo, de tratamento de canal para gatos idosos a cirurgias para remoção de tumores em coelhos.

Suzanne Kramer, de Chicago, gastou perto de US$ 380 em consultas ao veterinário e medicamentos para tratar um tumor que apareceu em seu hamster, Biffy, antes que ele morresse no ano passado. .

O trabalho de um veterinário se tornou mais amplo e assim mais lucrativo. Há hoje até profissionais especializados em ajudar as famílias a lidar com a perda dos pets. Tecnologias avançadas como exames de ressonância magnética, que chegam a custar cerca de US$ 1.500, estão hoje disponíveis em laboratórios de cidades pequenas.

Isso está criando um mercado para novos produtos como o Slentrol da Pfizer, um medicamento usado no tratamento de cães obesos, que custa entre US$ 1 e US$ 2 por dia. O Reconcile, um novo medicamento da Eli Lilly para a "ansiedade canina provocada pela separação" é baseado em ingredientes ativos do Prozac. No geral, as vendas de produtos de cuidados com a saúde de animais de estimação cresceram 8,8% ao ano nos últimos anos.

A qualidade dos tratamentos está ajudando a ampliar radicalmente o tempo de vida. Os cães normalmente vivem hoje de 12 a 14 anos, um grande salto em relação à média de poucas décadas atrás. John Payne, diretor-presidente em exercício do hospital veterinário Banfield, gosta de alardear que seu gato Gizmo continuou esperto até a sua morte, em novembro, com a idade avançada de 23 anos e meio. Mais de 60% dos novos clientes de sua rede inscrevem seus animais em planos de bem-estar. Um dos motivos é que os planos de saúde padrão para animais de estimação não cobrem os cuidados preventivos. Embora os planos de saúde para animais de estimação ainda estejam em sua infância, com um 1% dos donos adquirindo uma cobertura, o número de clientes cresce dois dígitos a cada ano. Jamie Ward investiu em um plano de saúde de US$ 25,77 ao mês da Veterinary Pet Insurance (VPI), para seu terrier American Staffordshire Loki, somente para descobrir depois que ele não cobria as despesas de US$ 2 mil que ela teve por causa de um ferimento na rótula de Loki. (A VPI diz que isso estava no contrato.)

A lista sempre em crescimento de medicamentos e tratamentos pode levar a despesas de dezenas de milhares de dólares, criando um dilema para os donos. Steve Zane, de Hoboken, Nova Jersey, engoliu seco quando no Natal do ano passado um veterinário apresentou a ele e sua esposa, Lily, uma estimativa de US$ 3,7 mil para ajudar a curar um problema no fígado do gato do casal, Koogle. "Olhamos um para o outro e dissemos: 'Bem, ele é da família'", lembra Zane.

A antropomorfização dos animais de estimação também vem criando a percepção de que eles têm problemas humanos, como a ansiedade provocada pela separação e a depressão. Alguns veterinários afirmam que isso simplesmente cria ainda mais oportunidades para o surgimento de novos produtos. Os americanos deverão gastar 52% mais em medicamentos com seus animais de estimação este ano do que gastavam cinco anos atrás. As companhias farmacêuticas adoram a categoria porque, comparada à dos medicamentos humanos, há um risco menor de responsabilidade. Mesmo assim, Dawn M.Boothe, professora de fisiologia clínica e farmacologia do Auburn University College of Veterinary Medicine, afirma que "os custos de recuperação" para as companhias farmacêuticas podem demorar, uma vez que as pessoas podem ridicularizar os tratamentos caros para animais de estimação.

Grande parte das atenções estão voltadas para o crescente problema da obesidade animal. Segundo estimativas, até 40% dos cães existentes nos EUA estão acima do peso ideal ou são obesos, com uma taxa igualmente elevada entre os gatos, graças aos hábitos indulgentes de seus donos. Ser recompensado todo dia com bombons de alfarroba enquanto é levado para passear em um carrinho não é exatamente um estilo de vida recomendado para um animal de estimação. As pessoas muito emotivas ou que não praticam exercícios físicos tendem a atrair seus animais de estimação para o mesmo comportamento e a inclinação cada vez maior de presentear seus animais com guloseimas vem tendo como resultado o aumento da "cintura" desses animais. Além de criar um interesse por novos medicamentos de combate à obesidade, isso está despertando o interesse pelas rações dietéticas. Também criou um mercado por procedimentos que incluem a lipoaspiração em animais, que está se tornando mais comum em cidades como Los Angeles.

E para alguns amantes dos animais, nenhum procedimento médico é extremo demais. Cirurgiões plásticos oferecem rinoplastia, lifting nos olhos e outros procedimentos cosméticos para ajudar a amenizar certas características caninas, de olhos "caídos" a narizes achatados. Tratamentos de canal, aparelhos corretivos e até mesmo coroas para dentes lascados também estão se tornando mais populares.

Há quem questione esses mimos, porque estariam contribuindo para uma bolha que poderá levar os donos de animais a dizerem para o Fido "que agora ele terá que se virar para conseguir os próprios ossos", assim que o ciclo econômico der uma virada. Afinal de contas, Paola Freccero admite que antigamente em Massachusetts, onde cresceu, "animais de estimação eram animais de estimação. As pessoas não os vestiam e não lhes davam rações especiais". Mas graças aos conselhos de seu veterinário e ao que ela leu na internet, Freccero não dá nada que não seja o melhor para sua "puggle" (mistura de pug com beagle) Lucy, incluindo guloseimas que custam US$ 2 cada uma. E a partir do momento em que Eric Olander pagou US$ 500 por uma passagem de avião para levar seu mestiço de chow chow com vira-lata de Atlanta para sua casa em Los Angeles, o cachorro tem sido um dos principais pontos de sua vida. "Eu o chamo de meu 401(k) com patas", diz ele, "porque é para onde todo o meu dinheiro vai."(Tradução de Mario Zamarian)