Título: BNDES luta na Justiça contra Fragoso Pires
Autor: Góes, Francisco e Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Empresas, p. B6

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) trava uma batalha judicial contra o empresário José Carlos Fragoso Pires e empresas ligadas a ele na tentativa de recuperar créditos concedidos para compra da Companhia Nacional de Álcalis (CNA), um dos casos mal sucedidos de privatização no Brasil. Corre ainda em segredo de justiça no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro um processo criminal, formalizado a pedido do BNDES contra Fragoso Pires, pelo fato de ele ter doado ações da Companhia Industrial do Rio Grande do Norte (Cirne), compradora da CNA, aos empregados da empresa sem consulta à instituição de fomento.

O problema, na visão do BNDES, é que as ações não poderiam ter sido doadas porque serviam de garantia ao banco pelo empréstimo concedido ao grupo de Pires na privatização da CNA, em 1992. O contrato de compra e venda das ações da CNA, firmado em julho do mesmo ano entre o BNDES e a Cirne é claro sobre isso: "A compradora não poderá vender, comprometer à venda, ou de qualquer outra forma dispor das ações empenhadas, nem constituir sobre as mesmas qualquer outro ônus ou gravame sem a expressa concordância do BNDES."

A medida de natureza criminal foi formalizada pelo BNDES perante a delegacia de repressão a crimes financeiros (Delefin/RJ) em 16 de abril de 2004. À época, o banco requereu a instauração de inquérito policial pela ocorrência, em tese, de prática de crime de ação pública, previsto no artigo 179 do Código Penal. O requerimento formulado pelo banco originou um inquérito policial e os autos da investigação foram encaminhados ao Ministério Público Federal do Rio, onde se encontram desde março de 2006, inacessíveis, devido a sigilo processual.

O Valor apurou que, além das medidas de natureza criminal, o BNDES e a BNDESPar, seu braço de participações, mantêm outras medidas judiciais contra Fragoso Pires e as empresas Cirne e Frota Oceânica e Amazônica S.A., nas quais tentam reaver créditos de cerca de R$ 345 milhões referentes aos contratos de financiamento na época da venda da CNA.

Em um dos processos que corre na 16ª Vara da Justiça Federal no Rio, no valor de R$ 151,9 milhões, também aparecem como autores da ação a Petrobras Química (Petroquisa) e o IRB Brasil Resseguros. Isso se deve porque na privatização a Cirne comprou ações de titularidade do BNDES, da Petroquisa e do IRB, valendo-se de moedas podres da Siderbrás, antiga holding estatal do aço. Após a privatização, houve uma repactuação da dívida da Cirne, mas a empresa deixou de pagar as parcelas referentes ao reescalonamento da dívida confessada, o que acarretou o vencimento antecipado de toda a dívida.

O Valor fez várias tentativas de falar com Fragoso Pires em seu escritório, no Rio, mas a informação recebido foi que ele se encontrava em viagem ao exterior e só voltaria ao país no fim do mês. Fontes que acompanham o caso disseram que a Cirne também acionou o BNDES e a BNDESPar na Justiça postulando a revisão do contrato de compra e venda de ações da CNA. Segundo essas fontes, Pires também questiona a privatização da CNA, argüindo "omissão de documentos e informações relevantes sobre a situação econômico-financeira da Álcalis".

O BNDES não reconhece a Nova Álcalis, nova denominação da Álcalis após a doação de suas ações aos empregados feita pelo empresário, porque a empresa seria fruto da doação irregular das ações que Pires tinha na Cirne.

A Cirne penhorou em garantia ao BNDES ações de emissão da CNA. Outras empresas do seu grupo, como a Frota Oceânica e Amazônica S.A, à época chamada Frota Oceânica Brasileira, prestaram fiança ao banco pelas obrigações assumidas pela devedora Cirne.

Apesar de toda a discussão pendente nos tribunais há seis anos, a diretoria do BNDES vem mantendo contato com os atuais gestores da Nova Álcalis, um grupo de empregados que têm à frente Aloísio Caiado, ex-funcionário e atual presidente da empresa, que tentam retomar o negócio. Caiado busca saídas para fazer a empresa operar de novo. A fábrica, em Arraial do Cabo (região dos Lagos do Rio de Janeiro), está desativada desde abril de 2006. A CNA era a única produtora nacional de barrilha, insumo vital para fazer vidro.

A disposição do banco para o diálogo com os novos dirigentes da empresa se apóia no argumento de que o devedor perante o BNDES é a Cirne e Fragoso Pires e não a CNA. De qualquer maneira, a retomada da produção de barrilha pela empresa passa por outros acertos legais que fogem ao controle do BNDES.

O banco tem como uma de suas estratégias a recuperação de dívidas antigas. E trabalha dentro do possível, levando em conta a necessidade de recolocar em produção unidades industriais que deixaram de operar por problemas financeiros e de má gestão, como a Álcalis e a Chapecó.

O presidente da Nova Álcalis disse ao Valor que procura sócios para desenvolver um novo projeto de produção de barrilha em Arraial do Cabo. O projeto, avaliado por ele em US$ 62 milhões, utilizaria a mesma tecnologia de produção aplicada na China. Trata-se de um processo a base sintética do qual se obtém dois produtos: barrilha e cloreto de amônio.

O processo antigo de produção de barrilha da CNA, fundada em pleno governo de Getúlio Vargas, é considerado hoje ultrapassado e inviável sob a ótica econômico-ambiental. A barrilha em Arraial do Cabo era fabricada com sal trazido do Rio Grande do Norte e calcário de conchas retiradas da lagoa de Araruama, que banha Arraial do Cabo. Este sistema de produção foi condenado pelos órgãos ambientais e obrigou a CNA a buscar calcário mineral em Minas Gerais, o que aumentou os custos e foi mais um fator que contribuiu para a derrocada da empresa.

O Valor visitou o parque industrial da CNA, instalado em área de 400 mil metros quadrados. Os prédios estão vazios e os principais equipamentos sucateados e corroídos pela falta de manutenção. Caso volte um dia a funcionar, parte da fábrica precisará ser demolida e reconstruída.

Na entrada do prédio principal há quadros com espaço para fotografias do operário padrão do ano. O primeiro ganhador do título foi em 1966. De lá para cá outros obtiveram a homenagem. Mas um fato chama a atenção do visitante: os quadros da galeria reservados para o período de 2006 a 2015 estão todos em branco, o que demonstra que os planos de longo prazo da CNA foram abandonados assim como a própria empresa.

Caiado, porém, mostra-se otimista. Diz que a empresa tem ativos de R$ 828 milhões, dos quais R$ 539 milhões correspondem a 11 milhões de metros quadrados de terras em Arraial do Cabo e Cabo Frio, município vizinho. O valor é quase o dobro dos passivos da empresa, avaliados por ele em R$ 443 milhões. Deste total, R$ 52 milhões são dívidas trabalhistas. A CNA tinha 650 empregados: a maioria foi demitida.

Mas existe um grupo menor, de cerca de 60 empregados, que questiona a gestão de Caiado. Este grupo tentou eleger um presidente alternativo para a CNA, mas não houve o reconhecimento deste direito no fórum de Arraial do Cabo. Os trabalhadores demitidos ainda aguardam a venda de lotes de terra pertencentes à CNA para receber os seus direitos. O prefeito de Arraial do Cabo, Henrique Melman (PDT), disse ao Valor que a venda das terras da empresa, que ocupam cerca de dois terços do município, é complicada. Segundo Melman, a CNA não é a única proprietária dos terrenos. "As terras estão em condomínio entre a Álcalis e o grupo Bassini. A Álcalis tem que extinguir o condomínio porque enquanto estiver assim ninguém compra nada", afirmou o prefeito.