Título: Ciclo de alta do boi desafia frigoríficos
Autor: Rocha, Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Agronegócios, p. B12

Depois de três anos em que os frigoríficos de carne bovina se beneficiaram da boa oferta de boi gordo no país - o que garantiu matéria-prima a preços competitivos e ganho de rentabilidade -, o cenário começa a se alterar. Mesmo sem fazer futurologia sobre os preços do boi gordo, analistas avaliam que o patamar das cotações deve mudar, já que existe uma redução de oferta de animais. Aliado à entressafra, isso já se reflete em parte nos preços da arroba, que subiram cerca de R$ 11,00 em um ano, conforme o Instituto FNP.

Ontem (dia 2), o indicador de preços do boi ESALQ/BM&F alcançou R$ 63,44 (à vista) por arroba em São Paulo, o maior valor nominal da história do indicador iniciada em março de 1994.

A disponibilidade de boi é menor - o que deve perdurar por pelo menos dois anos - porque o período de preços baixos reduziu a rentabilidade dos pecuaristas incentivando a venda de matrizes para abate e desestimulando os investimentos. Quadro que alguns analistas, como José Vicente Ferraz, do Instituto FNP, dizem configurar uma reversão de ciclo. "Há um ajuste na produção por conta do abate de matrizes e da falta de investimentos", concorda Leonardo Alencar, da Scot Consultoria.

Até alguns mais céticos em relação à mudança de ciclo, admitem que ela chegou. "O ciclo do boi mudou radicalmente", diz um especialista do setor, pedindo o anonimato, e reconhecendo que, agora, chegou a hora de o pecuarista dar as cartas. "É o dono da matéria-prima quem vai mandar", afirma.

Ferraz, da FNP, observa que os pecuaristas já estão sentindo no bolso os efeitos do abate de matrizes, que reduz a oferta de bezerros. Hoje o preço do animal com oito a 12 meses está em R$ 470,00 no noroeste de São Paulo; há um ano custava R$ 375, de acordo com o Instituto FNP.

Mas Miguel Cavalcanti, da Agripoint, evita falar em "mudança de ciclo" e de "forte mudança de patamar" nos preços nos próximos anos. Ele pondera que há espaço para ganho de produtividade na pecuária, o que já vem acontecendo e pode ser observado na redução do tempo de abate dos animais. Acrescenta ainda que na pecuária a "barreira de entrada" é muito pequena, isto é, a alta atual dos preços pode estimular investimento por parte de pecuaristas para aumentar a produção.

Diante de um cenário de preços mais elevados, os frigoríficos terão de buscar maior ganho de eficiência em suas operações, dizem analistas. Também terão de buscar mais eficiência em segmentos como o do aproveitamento dos subprodutos.

Na visão de Ferraz, agora será possível verificar se os investimentos feitos pelos frigoríficos - especialmente as grandes empresas - permitirão tal ganho de eficiência e se eles conseguirão manter a rentabilidade acima dos patamares históricos no novo quadro de oferta ajustada de boi.

Um especialista afirma que as empresas terão de melhorar sua gestão de vendas e tentar elevar preços da carne bovina nas exportações, principalmente de cortes menos nobres, que ainda "têm espaço para aumentar". "As empresas vão ter de se beneficiar na venda e não na compra", concorda Cavalcanti, da Agripoint, referindo-se ao preço que os abatedouros vinham pagando pelo boi gordo.

O comportamento da demanda por carne bovina no mercado internacional também será crucial para os frigoríficos manterem a rentabilidade. Se a economia mundial seguir sem grandes solavancos, a demanda pela carne brasileira deve se manter firme, acrescenta Cavalcanti, para quem o cenário é positivo tanto para pecuaristas quanto para as empresas.

No curto prazo, a oferta escassa de matéria-prima por causa da entressafra já afeta a operação de frigoríficos, que reduzem abates e dão férias coletivas, como fez o Friboi em sua unidade de Campo Grande (MS). Segundo a assessoria da empresa, serão 20 dias de férias coletivas na indústria em "virtude da entressafra de produção pecuária". A empresa informa que "é prática normal" a concessão de férias para funcionários na entressafra.

A situação da oferta deve começar a melhorar com a entrada de animais de confinamento no mercado, o que já começa a acontecer. Para Alencar, da Scot, a tendência é que os preços se estabilizem com a maior disponibilidade.