Título: Ricos resistem em "democratizar" FMI
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, Finanças, p. C1

Já existe maior disposição entre os governos para quebrar a tradição pela qual o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) deve ser sempre um europeu - e o presidente do Banco Mundial, um americano -, disse ontem o diretor do Brasil na instituição, Paulo Nogueira Batista Jr. Há, porém, forte resistência, principalmente na Europa Ocidental, à campanha para mudar o equilíbrio de poder no FMI e dar força aos países em desenvolvimento. Hoje, a Bélgica, por exemplo, tem mais votos que o Brasil, e Holanda, peso maior que o da Índia.

Outro ponto fundamental para o governo brasileiro, segundo Nogueira Batista, é a modificação da forma de atuar do FMI, cujas sugestões de política "exacerbam dificuldades" em países da América Latina, África e Ásia. Ele cita a crise argentina, em que o apoio do FMI à manutenção do câmbio fixo adiou os ajustes necessários na economia que "revelaram-se extremamente dolorosos". As falhas na Argentina foram apontadas pelo Escritório de Avaliação Independente (IEO), espécie de ombudsman do Fundo. O FMI precisa ficar mais atento às contribuições desse instituto independente e dar maiores possibilidade de diálogo a países vítimas de crises, defendeu.

Nogueira Batista acompanhou o francês Dominique Strauss Kahn, em viagem ao Brasil para defender a própria candidatura ao comando do Fundo. Strauss-Kahn, que pretende ocupar o posto após a saída do espanhol Rodrigo de Rato, em outubro, encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Deu declarações em favor da mudança na tradição de partilha do FMI e Banco Mundial entre europeus e americanos e fez questão de dizer que o board do banco vai avaliar qualquer candidatura à gerência-geral do FMI, sem "preferências geográficas".

Nogueira Batista Jr., que não abandonou suas críticas ao FMI com a nomeação para o board do fundo, comentou, bem-humorado, que se sente ainda mais à vontade ao ver que o candidato europeu é um ex-ministro do Partido Socialista francês. A diretoria comandada pelo Brasil representa outros oito países (Colômbia, Equador, Suriname, Guiana, Panamá, Haiti, República Dominicana e Trininad Tobago) e esses governos serão consultados para orientar a decisão sobre a escolha do novo diretor-gerente.

Ontem, um dia após o encontro, o ministério da Fazenda divulgou nota na qual informa que as autoridades brasileiras manifestaram "insatisfação com o funcionamento e atual estrutura do FMI".

A nota lista os "três pontos fundamentais" da insatisfação - e que, segundo Nogueira Batista, definirão em quem o Brasil votará ou não, na escolha do futuro gerente geral: 1) a mudança no sistema de votação e representação, para democratizar as decisões do fundo, com maior participação de países em desenvolvimento; 2) compromisso de abandonar a tradição oficiosa de se eleger sempre um europeu para a gerência-geral; e 3) reforma dos procedimentos para conciliar os programas de ajuste e estabilização com a "promoção do desenvolvimento econômico e social dos países membros".

Mesmo que Strauss-Kahn permaneça sozinho na disputa, será importante ter apoio da maior parcela possível de países-membros, afirma o representante do Brasil no FMI. Nogueira Batista foi convidado e aceitou integrar o comitê diretor do fundo responsável por acompanhar o trabalho do Escritório de Avaliação Independente. "Não é à toa que há grande resistência às receitas do FMI; basta ver a experiência dos países que recorreram ao fundo", disse.