Título: O tigre e a águia
Autor: Tachinardi, Maria Helena
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2007, EU & Fim de Semana, p. 12

A ofensiva do Japão na área de política comercial não deixa dúvida de que a sua prioridade é a Ásia, o que preocupa os Estados Unidos, que não querem ficar fora de nenhum grande arranjo de comércio naquela região. Tóquio já decretou a importância da formação de um bloco asiático de livre comércio entre 2015 e 2020, reunindo 16 países - os dez membros da Asean (Mianmar, Laos, Tailândia, Camboja, Vietnã, Filipinas, Malásia, Brunei, Cingapura e Indonésia) mais a China, o Japão, a Índia, a Coréia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia.

As propostas de uma Associação de Livre Comércio do Leste Asiático (Eafta) e de formação da Parceria Econômica Abrangente do Leste Asiático (Cepea), que incluirá serviços, propriedade intelectual, investimentos e cooperação econômica, apresentadas pelo Japão entre 2004 e 2006, provocaram uma resposta de Washington. Em novembro, os EUA contra-atacaram com a idéia de uma Associação de Livre Comércio da Apec, fórum de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico integrado por 21 membros, entre eles Japão, China, EUA, Austrália, Chile, México, Rússia, Canadá e Coréia. Os EUA já fizeram acordos de livre comércio com a Austrália e a Coréia e estão negociando com a Malásia. As negociações com a Tailândia foram suspensas em setembro por causa de golpe de Estado no país.

A diferença entre EUA e Japão é que o governo americano necessita da autorização (Trade Promotion Authority) do Congresso para negociar acordos comerciais sem que estes sejam modificados posteriormente por emendas parlamentares. A TPA expirou no mês passado e não foi renovada. O clima político para a renovação desse instrumento de política comercial americana não é dos melhores em virtude de lobbies protecionistas, principalmente os agrícolas. Isso acrescenta um elemento de vantagem comercial para os japoneses.

"O século XXI é da Ásia", comemora Yuji Watanabe, diretor-presidente da Japan External Trade Organization (Jetro) São Paulo. "Além da rede de acordos de parceria econômica, o Japão propôs a criação de uma edição asiática da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], que deverá se chamar Eria - Economic Research Institute for Asia", informa. A Jetro está trabalhando para criar essa entidade.

O bloco asiático de livre comércio está em plena formação. O Japão já tem acordos com Cingapura, Malásia e Filipinas, além do México e do Chile. Está negociando com Austrália, Índia e Vietnã e deve iniciar entendimentos com Brunei, Indonésia e Coréia. Suíça e Conselho de Cooperação do Golfo também estão entre os futuros parceiros.

Tóquio acelera o seu portfolio de acordos e já discute a possibilidade de negociar com os EUA, tal é a pressão que recebe dos empresários japoneses, preocupados com os efeitos do acordo de livre comércio entre Washington e a Coréia, que ainda não foi ratificado pelo Congresso americano. "Esse acordo prejudicará as exportações japonesas para os EUA. As montadoras coreanas estabelecidas no mercado americano poderão importar autopeças da Coréia pagando tarifa zero", diz Watanabe, citando um aspecto prejudicial para o Japão que se manifesta com o acordo EUA-Coréia.

Mas não é só isso. O que também impactou o empresariado japonês é que a Coréia, talvez tão ou mais protecionista em agricultura do que o Japão, conseguiu negociar com os EUA, país com acentuada sensibilidade agrícola. "É surpreendente. A carne bovina será liberalizada em 15 anos" no contexto do acordo EUA-Coréia, comenta o diretor da Jetro.

A negociação agrícola entre americanos e coreanos é exemplo de que já existe data para o fim de algumas grandes barreiras. Isso é levado em conta pelo Japão, cuja estratégia de política comercial aposta em que, por meio de uma rede crescente de acordos, os agricultores japoneses se acostumarão com a idéia de conviver com menos proteção. "Para sobreviver na globalização não dá para insistir na posição dura e intransigente de proteção aos produtos agrícolas", destaca Watanabe. Segundo ele, tanto o governista Partido Liberal Democrático (PLD) como o oposicionista Partido Democrático (PD) acham que se deve estabelecer algum sistema de garantia de renda aos produtores rurais, ao mesmo tempo em que se liberaliza gradualmente a agricultura do país e se fornecem meios de elevar a competitividade. "Estamos mudando de uma política defensiva para uma política ofensiva", observa o diretor da Jetro.

Essa declaração certamente soa como exagerada aos ouvidos de produtores brasileiros, pois ainda é muito elevado o grau de proteção tarifária no Japão. As tarifas consolidadas na OMC (teto máximo a que podem chegar) para manteiga, leite em pó, arroz com casca, açúcar refinado e farinha de trigo são, respectivamente, de 360%, 365%, 771%, 379% e 250%. Já as tarifas efetivamente aplicadas na importação desses produtos são de 90%, 88%, 82%, 79% e 25%.

O capítulo agrícola é um dos mais difíceis nos acordos comerciais do Japão. Por isso mesmo, lembra Watanabe, o país começou negociando com Cingapura, país de baixo perfil agrícola. O tratado bilateral foi assinado e posto em vigor em 2002. O segundo teste e o mais delicado para a agricultura japonesa foi o acordo com o México, em operação desde 2005. As carnes bovina, suína e de frango, mamão, laranja e banana estão entre os itens mais sensíveis para o Japão. Mas se o país não é um produtor tropical por que, então, tanta sensibilidade? Explica Watanabe: a importação de frutas tropicais, por exemplo, pode reduzir as vendas de frutas produzidas no Japão, daí o caráter protecionista da tarifa e das cotas tarifárias.

Os mexicanos estão satisfeitos porque o tratado de livre comércio com o Japão lhes rendeu, no período abril-dezembro de 2005, em comparação com o mesmo período de 2004, aumento de 262% nas exportações de carne bovina para o mercado japonês, 52% nas de camarão, 46% nas de suco de laranja, 31% nas de café e 29% nas de manga, segundo o Ministério de Finanças japonês. O México é hoje o primeiro exportador de abacate e o quinto fornecedor de carne suína para o Japão.

O acordo de parceria econômica Japão-Chile, que entrará em vigor no mês que vem, está cercado de alta expectativa do lado chileno. Trata-se da maior abertura agrícola comercial da história do Japão, dizem os especialistas. Algumas frutas, carnes bovina, suína e de aves entrarão no mercado japonês por meio de cotas tarifárias, que irão se ampliando em um período de dez anos. Para o salmão chileno a tarifa de importação será zero também em dez anos. Doze anos é o prazo para a liberalização completa dos vinhos do Chile, cuja tarifa, hoje, é de 17,6% no Japão. Os lácteos foram excluídos do acordo em razão do seu alto grau de sensibilidade no mercado japonês.

O agronegócio do Chile será o mais beneficiado pelo acordo de parceria econômica, pois 53% dos envios agrícolas do país estarão livres de tarifas de imediato. Cerca de 90% das exportações agrícolas do Chile não pagarão tributos aduaneiros para entrar no Japão ou gozarão de preferências tarifárias importantes. Segundo Carlos Furche, diretor da Direção Geral de Relações Econômicas Internacionais do Ministério das Relações Exteriores do Chile, o tratado comercial com os japoneses contribuirá para um crescimento da economia chilena de 0,6%. O Japão vai abrir mercados importantes para o Chile em carnes, lácteos, açúcar, bebidas e tabaco, frutas e pescados. "Isso exigirá de nossa parte qualidade permanente", afirma Bruno Philippi, presidente da Sociedad de Fomento Fabril (Sofofa) do Chile. Quem negocia com o Japão sabe que aquele mercado é um dos mais exigentes do mundo em matéria de sanidade vegetal e animal.

E o Brasil, que prioridade recebe da política japonesa de acordos bilaterais? Segundo Watanabe, não muito alta: "A Ásia é a prioridade central do Japão por causa da grande dependência econômica entre os países." Os asiáticos também estão na mira da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Uma missão empresarial organizada por ela deve seguir ainda neste ano para o Japão.

Mas para o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, é a Coréia que deve encabeçar a lista de prioridades comerciais. O objetivo de um acordo bilateral seria a derrubada de barreiras tarifárias e sanitárias. Os setores de ponta também teriam interesse na cooperação com os coreanos, diz Barbosa.