Título: Cuba rumo a mudanças
Autor: Betto, Frei
Fonte: Correio Braziliense, 07/01/2011, Opinião, p. 19

Cuba marcou para abril deste ano o VI Congresso do Partido Comunista. Isso significa mudanças profundas no país. Um documento preliminar ¿ Projeto de Orientações da Política Econômica e Social ¿, divulgado em novembro, agora é debatido pela população.

A situação econômica cubana é crítica, agravada por fatores externos: crise econômica mundial, que reduziu as vias de financiamento externo; redução do preço das exportações em 15%; recrudescimento do bloqueio econômico imposto pela Casa Branca. Hoje, o principal ¿produto¿ de exportação de Cuba é a prestação de serviços, em especial na área da saúde.

Fatores climáticos influem também na deterioração da economia: 16 furacões, entre 1998 e 2008, causaram prejuízos no valor de US$ 20,5 bilhões (metade do PIB), e foram consideráveis as perdas em decorrência das secas de 2003, 2005 e dos dois últimos anos. Some-se a isso a dívida externa, a baixa eficiência laboral, a descapitalização da base produtiva e da infraestrutura, e o envelhecimento populacional, agravado pelo reduzido índice de natalidade.

Como saída para a crise, o documento propõe o fim da libreta de abastecimento, cujos produtos são subsidiados, compensado por aumento salarial; o cultivo de terras ociosas (a ociosidade atinge 50% das terras agricultáveis); a reestruturação do sistema de empregos, de modo a reduzir o paternalismo estatal e a ampliar o leque de iniciativas não estatais; e a aplicação de política salarial mais rigorosa, eliminando subsídios pessoais excessivos.

Prevê-se ainda diminuir a dependência de produtos importados e diversificar as exportação de bens e serviços; buscar novas fontes de financiamento para recapitalizar o sistema produtivo do país; abrir-se ao capital estrangeiro; e eliminar a dupla moeda. Hoje, os cubanos dispõem de pesos e, os turistas, de CUC, o peso conversível. São necessários 24 pesos para se adquirir 1 CUC, cotado a US$ 1,25.

Apesar das dificuldades, aos 11 milhões de cubanos o Estado assegura os três direitos fundamentais: alimentação, saúde e educação. Cuba não intenciona retornar ao capitalismo. O documento enfatiza que ¿só o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da revolução, pois a atualização do modelo econômico primará pela planificação e não pelo mercado¿.

Cuba é uma nação que se destaca pela solidariedade internacional. De 1961 a 2009 diplomaram-se na ilha, gratuitamente, 55.188 jovens de 35 países, dos quais 31.528 de nível universitário. Hoje há 29.894 bolsistas estrangeiros em diferentes especialidades, 8.283 dos quais cursando a Escola Latino-Americana de Medicina (inclusive centenas de brasileiros, que ainda não tiveram os diplomas revalidados em nosso país).

Prestam serviço, em 25 países, 1.082 educadores cubanos. O método de alfabetização de Yo si, puedo, já habilitou à leitura 4.900.967 adultos de 28 países e erradicou o analfabetismo na Venezuela, na Nicarágua e na Bolívia. (Inclusive ensinou Tiririca a ler).

Na área da saúde, Cuba atua em 78 países, com 37.667 colaboradores, dos quais 16.421 são médicos. A Operação Milagro, iniciada em 2004, já atendeu gratuitamente, em quase toda a América Latina, cerca de 2 milhões de pacientes com problemas oftalmológicos, como catarata.

Cuba caminha no rumo do modelo chinês? Em discurso na Central de Trabalhadores de Cuba, em novembro, Raúl Castro afirmou: ¿Não estamos copiando nenhum país¿. Deixou claro que se busca um caminho ¿autônomo, ajustado a nossas características, sem renunciar minimamente à construção do socialismo¿.

Cuba está convencida de que a completa estatização da economia é inviável. Daí a proposta de manter empresas estatais ao lado de outras de capital misto, bem como modalidades diversas de iniciativas não estatais, como cooperativas, terras arrendadas e prestação de serviços por conta própria.

Para se evitar a corrupção em contratos com o exterior, Cuba aplicará este princípio: quem decide não negocia e quem negocia não decide.

Com as futuras reformas, mais de 1 milhão de cubanos devem perder seus empregos na estrutura estatal. Um duplo desafio se impõe à revolução: a requalificação profissional dos desempregados, a fim de se evitar a contravenção, o narcotráfico e a economia paralela, e o incremento da emulação ideológica, em especial dos jovens, de modo a evitar que a revolução se torne um fato do passado e de manter a prevalência dos valores subjetivos sobre a mercantilização dos costumes incutida pelo neoliberalismo.

Entre furacões e sabotagens, a revolução cubana resiste há 53 anos. Seu maior mérito é o de assegurar condições dignas de vida a 11 milhões de habitantes da ilha e não medir esforços na solidariedade aos povos mais pobres do mundo.

As reformas anunciadas significam maior democratização do socialismo. O Estado deixa de ser o grande provedor para se tornar o principal indutor do desenvolvimento. E convoca os cidadãos a serem os protagonistas de um socialismo com a cara do século 21.