Título: O caminho para a paz passa por Jerusalém
Autor: Rachman, Gideon
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2007, Opinião, p. A13

Antes da Guerra do Iraque, neoconservadores otimistas apareceram com um novo slogan sobre o conflito israelense-palestino: "O caminho para Jerusalém passa por Bagdá". A vitória americana no Iraque criaria as condições políticas para a paz entre israelenses e palestinos.

Agora que os EUA estão bem a caminho do fracasso no Iraque, uma nova teoria começou a circular. Desta vez, "o caminho para Jerusalém passa por Teerã". O poder crescente do Irã - fomentado pela guerra no Iraque - poderá criar as condições para a paz entre Israel e a Palestina.

Enquanto a teoria do caminho de Bagdá se baseava em uma visão otimista da transformação democrática no Oriente Médio, a teoria do caminho de Teerã se baseia no medo. Ela sustenta essencialmente, que a ascensão do Irã é alarmante o bastante para conferir a todos os lados na disputa palestino-israelense um novo interesse em encontrar uma solução negociada. Isso se tornou especialmente urgente desde que os militantes islamitas do Hamas, que são apoiados pelo Irã, tomaram o poder na Faixa de Gaza e dividiram o suposto Estado palestino pela metade.

Condoleezza Rice, a secretária de Estado dos EUA, está tentando tirar proveito do momento. Ela prometeu que um encontro para a paz será convocado nesse outono. Os suspeitos de costume estarão lá: os israelenses, os palestinos, os EUA, os egípcios, os jordanianos. Os sauditas também poderão vir, o que será considerado um acontecimento importante.

Os sauditas e outros Estados árabes pró-ocidentais sabem que um acordo de paz palestino-israelense dificultará em muito aos iranianos causar problemas na região. Para os israelenses, um acordo de paz poderá oferecer a perspectiva torturante de uma reaproximação com os Estados árabes pró-ocidentais como parte de uma frente antiiraniana informal. Ele também poderá oferecer a melhor esperança de reverter a ascensão do Hamas. Exatamente pelo mesmo motivo, a Autoridade Palestina e Mahmoud Abbas, seu presidente, precisam desesperadamente de um acordo. E o presidente dos EUA, George Bush, certamente apreciaria a oportunidade de confundir os seus críticos com a hipótese - improvável - de se tornar o presidente americano que finalmente implantou uma solução de dois Estados. Os muito otimistas falam sobre a criação de um Estado palestino em um ano. Seria bom acreditar nisso. Mas as forças que pressionam na direção oposta provavelmente comprovarão ser ainda mais poderosas.

O poderio crescente do Irã certamente está transformando atitudes no mundo árabe. Ainda é improvável, porém, que o temor do Irã seja possante a ponto de persuadir os sauditas a reconhecer Israel - particularmente porque é extremamente improvável que os israelenses cedam em demandas palestinas importantes como o "direito de retorno" dos refugiados palestinos. Nas palavras de um diplomata israelense, "nessa região, o inimigo do meu inimigo ainda é meu inimigo".

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Mesmo alguns membros do Fatah e da Autoridade Palestina argumentam que Abbas provavelmente receberá uma proposta que só poderá recusar. Um destacado membro do Fatah prevê sombriamente: "Receberemos a proposta de um Estado dentro das fronteiras do muro de segurança de Israel, o que significará perder enormes parcelas até da Cisjordânia. As colônias israelenses permanecerão. Nossas fronteiras serão controladas por Israel. Não teremos permissão para possuir um exército. Não haverá qualquer direito de retorno e os israelenses efetivamente tomarão posse de Jerusalém. Isso será apresentado como um arranjo temporário. Mas o temporário se tornará permanente". Os aliados de Abbas dizem que aceitar esse tipo de acordo representará suicídio político para si e para o Fatah. O Hamas assumiria a causa palestina por abandono.

Quando retratei esse cenário para um alto funcionário israelense em Jerusalém na semana passada, ele respondeu: "Os palestinos estão sendo super otimistas. Eles não receberão nem essa proposta". Os militares israelenses - apoiados, ao que parece, pela opinião pública - não estão dispostos a assumir o risco de devolver o controle da segurança na Cisjordânia aos palestinos. A vasta barreira de segurança que os israelenses construíram ajudou a afastar os homens-bomba. Mas ataques com foguetes foram lançados contra Israel a partir do Líbano e de Gaza. Atentados semelhantes a partir da Cisjordânia poderão atingir as grandes cidades de Israel. Portanto, é provável que os militares israelenses pleiteiem manter as centenas de pontos de inspeção, em toda a Cisjordânia, o que tornará o cotidiano e o comércio impossível para os palestinos. Viagens de uma cidade a outra na Cisjordânia - que deveriam levar apenas alguns minutos - freqüentemente podem consumir horas devido aos pontos de inspeção.

O estado de ânimo em Israel agora parece mesclar medo e complacência de uma forma que provavelmente será fatal para as perspectivas de um acordo de paz. O medo é um legado da campanha de terror palestina que matou quase mil israelenses. As lembranças dos atentados suicidas a bomba - somados à ascensão do Hamas - minaram enormemente a disposição do público de correr riscos com a segurança.

Mas os atentados suicidas a bomba pararam. E, exatamente nesse momento, a vida é boa. A vida noturna de Jerusalém ocidental - que estava morta em 2002 - está mais uma vez vibrante. Na semana passada, fui ao festival de vinho de Jerusalém, onde israelenses abastados degustaram os mais recentes Cabernets e Rieslings das viniculturas especializadas do país. Cidades palestinas como Ramallah e Belém estão a poucos quilômetros dali. Por estarem detrás do muro, porém, elas estão longe do campo de visão e longe da mente para o israelense médio. Gaza está selada de forma ainda mais eficaz. Consequentemente, apesar de todas as demonstrações de apreensão em torno do Irã e do Hamas, os israelenses raramente se sentiram tão seguros. Eles sentem pouca necessidade de assumir riscos pela paz.

Mas a sensação de segurança é falsa. Como admite uma autoridade israelense: "Estamos sentados sobre uma bomba de tempo nos territórios ocupados". O rancor e a frustração já conduziram a dois levantes. As medidas de segurança de Israel significam que a economia palestina está ficando progressivamente mais debilitada, enquanto a proliferação das colônias israelenses extingue gradualmente a esperança de um Estado palestino viável. A ascensão do Hamas é testemunho da crescente radicalização da causa palestina. E há mais por vir.

Uma liderança israelense verdadeiramente corajosa se aproveitaria da força relativa do país no momento para obter um acordo de paz verdadeiro - antes que as chances de uma solução de dois Estados finalmente desapareçam. Isso significaria fazer concessões generosas e dolorosas nos temas principais - Jerusalém, colônias, fronteiras.

O caminho para a paz entre Israel e Palestina não passa por Bagdá ou Teerã. Ele ainda passa por Jerusalém e a Cisjordânia. E nesse exato momento o caminho está bloqueado - literal e metaforicamente - por um muro maciço.