Título: Carneirinho vê um "trem de cana" chegar
Autor: Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2007, Especial, p. A14

Carneirinho é uma pequena cidade na ponta de um dos vértices do Triângulo Mineiro. Com 8,8 mil habitantes, o município, emancipado há 15 anos, conserva todas as características de uma típica cidade do interior. E poderia passar despercebida se os canaviais não tivessem "invadido" a região, disputando espaço com o gado.

Com a sua "mineirice", a população começou a observar "se esse trem de cana ia dar certo". Mas a cana, sem pedir licença, foi chegando, chegando, e tomou conta de boa parte das pastagens da região. E não contente o suficiente, foi seduzindo pequenos pecuaristas para arrendar as terras. Alguns cederam, outros não. E essa queda de braço entre os tradicionais pecuaristas e outros nem tanto dividiu a cidade em relação à cana.

Alheia à rusga, a população se prepara para receber sua maior indústria - uma usina de açúcar e álcool do grupo alagoano Coruripe, que já possui três unidades no Triângulo Mineiro. A usina Carneirinho, um investimento de R$ 130 milhões, começa a operar em 2008. Os preparativos para a chegada, porém, já começaram.

A rotina na cidade não é mais a mesma. Os dois únicos hotéis - na verdade, um hotel e uma pensão - vivem lotados. São os "forasteiros" de São Paulo e da capital mineira que chegaram antes para montar a estrutura da usina. "Tivemos que ampliar o hotel para atender aos terceirizados da usina", diz Neuza Faria, do Hotel Faria. Em janeiro, o hotel ganhou nove novos quartos. Agora tem 23. "Muitos não pagam diárias, alugam por mês."

A cidade ganhou um novo supermercado, vai reativar outro antigo, e deverá ter novo posto de gasolina. Em breve ganhará uma pequena indústria têxtil. Aluguel de casa na cidade, que sempre foi caro, agora tem preços exorbitantes, afirmam os moradores. Uma casa pequena de dois quartos sai por R$ 800 mensais. Essa situação reflete na construção civil. Única construtora da cidade, a Projecar, começa a construir casas para vender, saindo do seu foco de obras públicas.

A usina de Carneirinho vai gerar 190 empregos na parte industrial e mais 15 na área administrativa na primeira fase, além de 1.200 na área agrícola. A fase final do projeto prevê 350 postos na área administrativa e industrial, com 2,5 mil na área agrícola. Será a maior empregadora da cidade, desbancando a prefeitura (200 funcionários).

A usina, em parceria com a prefeitura da cidade, patrocina um curso técnico de açúcar e álcool para absorver trabalhadores na usina, diz Vítor Wanderley Júnior, diretor do grupo Coruripe. Na mesma escola, há outros dois cursos técnicos - enfermagem e segurança do trabalho. Com seis escolas estaduais e três municipais, Carneirinho não tem curso superior. A faculdade mais próxima fica em Iturama, a 60 quilômetros, considerada pólo econômico da região, que abrange também Limeira do Oeste e União de Minas.

Joana D'Arc da Silva, 23 anos, concluiu a faculdade de química em Fernandópolis (SP), e agora faz parte do programa de trainee do grupo Coruripe. Ela trabalha na unidade de Iturama. Mas espera a unidade de Carneirinho entrar em operação para ser transferida. "Eu não teria oportunidade de emprego na minha área, se a usina não viesse para cá."

Para criar um pólo de produção de cana, a usina e fornecedores locais estão convencendo pecuaristas a arrendarem suas terras. Para Sebastião Martins de Lima, 77 anos, a mudança trouxe vantagens. "Eu não tinha recursos para renovar as pastagens. Arrendei minhas terras (17 alqueires) por 10 anos para a cana. Hoje tenho uma renda de R$ 1.600 por mês, contra R$ 1.000 com o gado." A aposentada Luiza da Silva, 79 anos, também se rendeu. Seus 20 alqueires de pastagens foram convertidos em canaviais desde 2006. "É mais lucrativo. Minha filha também pensa em fazer a mesma coisa."

Não são todos os pecuaristas, contudo, que acreditam que a cana trará só progresso. Vicente Vilela Lima, um dos maiores pecuaristas de Carneirinho, critica o farto financiamento do governo para o setor sucroalcooleiro. "Se os pecuaristas recebessem pelo menos metade desses recursos, também seriam competitivos." Vilela também lamenta que a cana tenha invadido a região, ocupando os espaços dos grãos e pastos. "Tem cana até em beira de estrada."

Com orçamento de R$ 30 milhões para 2007, a prefeitura espera reverter a queda da arrecadação de ICMS quando a usina começar a operar. Perto das fronteiras de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, Carneirinho sofre com a evasão do gado, vendido sem nota. Além do gado, outros produtos também saem sem nota da cidade, diz o prefeito Cássio Rosa de Assunção (DEM). O projeto da usina, assinado em junho de 2006, já levou a prefeitura a projetar o aumento da arrecadação de ICMS da cidade. Em 2006, foram R$ 17,9 milhões, contra R$ 19,8 milhões em 2005. O valor adicional com açúcar e álcool será de R$ 3,4 milhões em 2009 e R$ 5 milhões em 2010. Os royalties com a hidrelétrica Ilha Solteira garantem cerca de R$ 1,5 milhão por ano à cidade.

Os royalties têm garantido boa infra-estrutura à cidade. Carneirinho tem praticamente 100% de suas ruas asfaltadas, 100% de água e esgoto encanados. O prefeito diz que ainda há muito a fazer. "Precisamos melhorar a fachada da entrada da cidade." Segundo o prefeito, a população pede emprego.

A agropecuária sempre foi a principal atividade econômica da cidade. O algodão teve seu auge na década de 70. Nos anos 80, os grãos, sobretudo milho, dominaram. Mas a pecuária de corte e leite sempre foi o forte de Carneirinho. O rebanho bovino é de 249 mil cabeças. E engana-se quem pensa que Carneirinho tem esse nome porque era tradicional criadora de carneiros. O nome refere-se à família Carneiro, que fundou o povoado em novembro de 1954.

Com a chegada da usina, um pequeno pólo industrial começa a ser formado na cidade. O prefeito Cássio Assunção diz que já há interesse de empresas de auto-peças, oficinas e fornecedores de insumos. Antes da chegada da usina, a cidade contava com dois laticínios, uma fecularia. Com a nova indústria têxtil, serão quatro indústrias na cidade, diz Agostinho Ferreira, presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade. É o próprio Ferreira que está investindo na indústria têxtil, que irá produzir panos de chão para serem vendidos na rua 25 de Março, no centro de São Paulo. A esperança dele é fechar um contrato com a usina de Carneirinho para fornecer sacarias de açúcar para a empresa.

Quando chegou a Carneirinho para cortar cana, Raimundo Souza Bandeira Neto, 38 anos, conhecido como Piauí, foi assediado para trabalhar na construção civil. Natural de Elesbão Estevão (PI), por isso o apelido, Piauí é cortador de cana desde 1989. "Preferi ficar na cana porque ganho mais." Ele vai e volta para o Nordeste todo o ano. Piauí ganha R$ 1.000 por mês, cortando cerca de 11 toneladas de cana por dia. Já cortou cana em São Paulo e no Mato Grosso do Sul. Agora aproveita a expansão da cana em Minas Gerais. Para Piauí, tanto faz onde ele corta cana. "O trabalho é pesado em qualquer lugar."