Título: Petrobras estréia novo contrato de gás
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2007, Empresas, p. B9

Após três anos sem contrato de suprimento com a Petrobras, a Bahiagás caminha para ser a primeira distribuidora do Nordeste a assinar um contrato com a estatal. Atualmente, sete empresas da região estão com os contratos vencidos. O acordo na Bahia é simbólico porque dá início à mudança da fórmula de preço do gás nacional, que vai ficar mais caro. A indústria diz que o aumento de preço sinalizado pela Petrobras tornará o gás inacessível para alguns segmentos.

A atual fórmula de preço do gás nacional tem uma parcela fixa, reajustada anualmente, e outra maior, variável que flutua acompanhando os preços de uma cesta de óleos no mercado internacional. A nova fórmula terá uma parcela fixa, em reais e equivalente a cerca de US$ 2,20, que será corrigida pelo IGP-M uma vez por ano. A outra será reajustada trimestralmente de acordo com o preço do óleo combustível (que é o substituto natural do gás) no mercado internacional. A partir da assinatura do contrato com as novas regras, as distribuidoras terão um período de transição de aproximadamente um ano até migrarem totalmente para a nova fórmula. A Petrobras também deverá garantir uma revisão das condições sempre que o gás no mercado regional estiver mais caro que o óleo combustível.

Esse mecanismo não vale para o gás importado da Bolívia - comprado pelas distribuidoras do Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - que tem preço estipulado em dólares com fórmula própria de reajuste, negociada em 1999. Ela prevê uma variação dos preços acompanhando uma cesta de óleos no mercado internacional. O gás boliviano supre hoje mais de 50% do mercado brasileiro.

A novidade introduzida nos contratos para compra de gás nacional é que os clientes que aceitarem suprimento interruptível (ou seja, que possam ter o consumo interrompido para que o gás possa ser utilizado para geração de energia elétrica, por exemplo) terão desconto. O acordo com a Bahia tem também promessa de que uma parcela do gás que será produzido no campo de Manati, considerada oferta nova ao mercado, será oferecido preferencialmente para a distribuidora local. Segundo fontes do setor, que preferem não se identificar, o gás interruptível poderá ser até 15% mais barato. A Petrobras confirma o desconto, mas não o percentual.

Cálculos de um executivo de uma grande empresa de São Paulo, que pediu para não ser identificado, projetam que o gás nacional custará quase US$ 8 no segundo semestre de 2008. O diretor da área de gás e energia da Petrobras, Ildo Sauer, diz que só com o petróleo a US$ 80 o gás custaria US$ 8 e, nesse caso, o óleo combustível custará acima de US$ 9. Então, esse consumidor terá de escolher entre combustível mais poluente ou pagar menos de US$ 8 por outro combustível com mais qualidade e mais competitivo.

Hoje o gás nacional tem preço em reais variando de US$ 4,9230 (preço da commodity em Alagoas) e US$ 5,7929 (preço para a pernambucana Copergás). Os valores não incluem o transporte e nem a margem das distribuidoras. Com o mercado crescendo, os custos de produção aumentando e sem ter conseguido até agora alimentar o apetite do mercado, a Petrobras iniciou um embate com as distribuidoras que é acompanhado atentamente pelos grandes consumidores.

O diretor de gás e energia afirma que o aumento é consequência do fato de a indústria de petróleo e gás ter atingido um novo patamar decorrente dos novos custos de produção a partir de 2005, que triplicaram, acompanhados de um aumento dos custos com transporte, que duplicaram devido ao aço. "Isso aconteceu no mundo inteiro, até na Bolívia, onde o contrato com a Argentina tem preço maior que o do Brasil", afirma.

A Petrobras prevê investimentos de US$ 22 bilhões para aumentar em 50 milhões de metros cúbicos a produção junto com parceiros até 2011. Sauer explica que os investimentos para ampliar a oferta de gás apontam para um custo de produção e transporte acima de US$ 5 por milhão de BTU (British Termal Unit, que mede o poder calorífero do gás). "É uma conta transparente. Vamos precisar recuperar US$ 22 bilhões em 15 anos para (fazer frente aos investimentos) a produção e recuperar investimentos de transporte em 20 anos. Isso implica em uma taxa de retorno de 10% ao ano, mais custos de operação e manutenção, o que resulta em custo mínimo de US$ 5 por milhão BTU. Esse custo terá que ser recuperado por uma parcela de US$ 2,2 e uma parcela variável vinculada ao preço do óleo combustível", explicou o diretor.

Ainda segundo ele, quando o petróleo tiver preço alto no mercado a companhia vai precisar cobrar acima de US$ 5 pelo gás, e quando estiver abaixo, vai receber menos que o necessário para recuperar os investimentos. "Porém, o gás estará sempre abaixo do óleo combustível. Portanto, para a indústria, é melhor ter gás a custos realistas do que não tê-lo. E se a indústria não se dispuser a pagar preços realistas, a Petrobras não poderá fazer os investimentos necessários para ofertar este gás".

Segundo ele, o preço entre US$ 5 e US$ 6 equivale a um barril de petróleo custando US$ 35, o que é bem abaixo do preço do barril no mercado internacional.

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"A estrutura de custos da indústria mudou, e não foi só aqui, repito, foi no mundo todo. É inescapável que todos se adaptem a essa nova realidade. O que não pode é a área de gás e energia dar prejuízos insustentáveis para essa companhia como vem acontecendo", disse Sauer, defendendo os aumentos de preço que estão sendo negociados.

O aumento de preços já aperta o bolso dos clientes e a indicação de patamares mais elevados no próximo ano preocupa a indústria que usa o gás como insumo ou no processo de produção de matérias-primas. Nesse grupo estão desde fabricantes de polímeros até engradados e móveis, passando pela amônia e uréia consumida pela Petrobras nas duas unidades de sua Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), na Bahia e Sergipe.

Entre os grandes clientes do segmento estão a Dow, Bayer, Elequeiróz, Fosfértil, Degusa e a Rio Polímeros (que tem a Petrobras no seu quadro de acionistas). Essa indústria consome cerca de 4 milhões de metros cúbicos de gás por dia, o que corresponde a 8% a 10% do mercado total das distribuidoras, de aproximadamente 42 milhões de metros cúbicos/dia. A conta não inclui o consumo da Petrobras em suas próprias instalações.

Um exemplo de uso do gás como matéria-prima, além da Riopol, é a indústria de metanol, que fabrica até compensados de madeira para a indústria moveleira a partir do gás. Desse segmento, umas das empresas preocupadas com seus custos é a Prosint, do grupo Peixoto de Castro, e a Copenor, do mesmo grupo em associação com a Petroquisa.

Carlos Alberto Lopes, consultor do grupo Peixoto de Castro e membro do conselho diretor da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), explica que essa indústria não poderá absorver aumentos porque seu ciclo de preços não acompanha o petróleo.

"O produto final da indústria petroquímica é submetido a uma intensa concorrência. O Brasil não tem alíquota de proteção (à importação) e não temos como substituir o gás. E a criação de uma nova fórmula que tem como referência o ciclo energético, que não tem nada a ver com a indústria química, nos deixa muito estressados", afirma Lopes.

O diretor da Petrobras também lançou um desafio aos que, segundo ele, acusam a Petrobras de visar lucro incompatível nos seus negócios com gás. "Eu desafio os que acham (o gás) caro a produzir, importar, transportar ou trazer GNL para o país. Estão todos convidados a investir aqui ou, ainda, os convido a serem sócios da Petrobras no gás e a dividir esses pretensos ganhos", disse Sauer, frisando que a companhia não pode ter mais perdas.

A Bahiagás já informou, em nota, que negociou com Petrobras aumento de 54% no volume de gás contratado, que passará de 3,3 milhões para 5,1 milhões de metros cúbicos/dia. O contrato deveria ter sido assinado em Salvador na sexta-feira passada pelo presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e pelo governador Jaques Wagner (PT), mas a cerimônia foi adiada por causa do fechamento da compra da Suzano Petroquímica. No Nordeste também estão sem contrato a Copergás (PE), Sergás (SE), PBGás (PB), Algás (AL), Potigás (RN) e Cegás (CE). Durante as negociações de preço, que teve participação das demais distribuidoras do Nordeste, o presidente da Bahiagás, Davidson Magalhães, distribuiu uma nota dia 27 de junho reclamando que a nova fórmula "poderia provocar perda de competitividade do insumo no mercado". E lembrava que o gás subiu 20,12% em abril e iria subir 3,13%, dia 1º de julho.

A Petrobras manteve inalterado o preço do gás nacional entre janeiro de 2003 e agosto de 2005, quando anunciou aumento em duas parcelas. A primeira de 6,5% em setembro de 2005 e a segunda, de 5%, em novembro daquele ano.