Título: Grupos sem tradição já desistem de usinas
Autor: Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2007, Agronegócios, p. B14

Motivados pelo boom do etanol, empresários do setor sucroalcooleiro e outros sem tradição na área, os chamados "aventureiros", anunciaram diversos projetos de novas usinas no país. Passado o período de euforia, muitos empresários resolveram repensar seus investimentos. E a forte queda dos preços do açúcar no mercado internacional, que acumulam desvalorização de 32% nos últimos 12 meses, colaborou para a decisão.

Nos últimos dois anos, cerca de 150 novos projetos foram anunciados no país, mas nem todos devem sair do papel, diz Antonio Padua Rodrigues, diretor da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). A Unica está refazendo o levantamento para mapear esses investimentos. "Pelo menos 30% deles nem devem sair do papel." Dados preliminares indicam que 89 estão em curso desde o ano passado e somam cerca de US$ 17 bilhões em investimentos. A área com cana deve saltar de 6 milhões de hectares para 8 milhões até 2012, com uma produção de 750 milhões de toneladas no país, ante 470 milhões de toneladas atuais.

Segundo Padua, a maioria dos projetos em curso é tocada por tradicionais usineiros e também por grupos estrangeiros, que aumentam a olhos vistos sua participação neste setor no país. As companhias e fundos internacionais processam no centro-sul cerca de 35 milhões de toneladas de cana, o que representa 8,3% do total a ser colhido na região na safra 2007/08. Em três anos, a previsão é de que essa fatia dobre, com os novos projetos dos mesmos grupos e com a entrada de novos players no país.

Enquanto os grupos estrangeiros elevam seus aportes, outros empresários, sem tradição, começam a desistir de seus projetos. "Muitos aventureiros se empolgaram com a alta dos preços do açúcar no mercado internacional. Agora, com a acomodação das cotações da commodity em patamares baixos, muitos engavetaram projetos ou até mesmo desistiram deles", diz Padua. Em fevereiro de 2006, as cotações do açúcar em Nova York atingiram a maior alta dos últimos 20 anos, batendo 19,70 centavos de dólar por libra-peso. Atualmente, está em 10 centavos.

Júlio Maria Martins Borges, da Job Economia e Planejamento, lembra que a velocidade dos investimentos de grupos sem tradição caiu. "Mas os fundamentos continuam positivos por conta do petróleo em alta." Segundo ele, muitos empresários neófitos fizeram sua reserva de mercado. "Mas como não têm tradição, não levaram o projeto adiante. Muitos desistem ou se associam a grupos tradicionais."

No ano passado, o empresário José Alberto Tavares Junqueira, pai do piloto da Fórmula Mundial Bruno Junqueira, anunciou que iria investir em uma destilaria na cidade mineira Santo Hipólito. A usina chegou a ser construída em uma propriedade que a família adquiriu e entrou em operação. Mas, em fevereiro, Junqueira passou o negócio para frente. Os preços do álcool não estavam mais tão atraentes. Segundo o empresário, a usina foi vendida para um outro grupo de Minas Gerais. "Eu pretendo voltar a investir em álcool de novo". Há exatamente um ano, o cantor sertanejo Zezé Di Camargo anunciou que iria fazer estudos para implantar uma usina de álcool em Tocantins, onde ele possui terras. Procurada pelo Valor, a assessoria do cantor informou que o projeto não foi levado adiante.

"Há mais de 60 projetos anunciados no Mato Grosso do Sul, mas somente 20 sairão do papel", acredita o empresário José Pessoa de Queiroz Bisneto, presidente do Grupo J. Pessoa. O empresário preside o Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool daquele Estado, considerado uma das novas fronteiras para a cana. Até ele puxou o freio. O grupo adquiriu em 2003 uma usina em Campos (RJ), a unidade Quissamã, e outra unidade em São Paulo, a Everest, em 2006. Mas nenhuma está em operação. Pessoa diz que está investindo no aumento do plantio de cana para dar início às atividades dessas usinas.

O Valor apurou que o grupo pernambucano Farias, com seis usinas em operação e outras três em fase de projeto, deverá desacelerar parte de seus investimentos. A unidade de Taquarituba (SP), que deveria entrar em operação em 2008, foi adiado para 2009, segundo uma fonte. "Esse projeto [de Taquarituba] não teve a licença ambiental liberada ainda." A notícia não foi de toda ruim. "O projeto sai do papel, mas não agora."