Título: Os efeitos da aposentadoria espontânea
Autor: Moura, José A. Marcondes de
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2007, Legislação & Tributos, p. E4

Inexiste, até o momento, um consenso entre juristas e tribunais em relação aos efeitos da aposentadoria espontânea sobre o contrato de trabalho, especialmente na hipótese de continuidade da prestação de serviço logo após a sua concessão. A matéria ganhou relevância na medida em que surgiram reclamatórias pleiteando o pagamento da multa de 40% sobre as contribuições do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em relação ao período anterior à aposentadoria. Na apreciação destes pleitos, firmou-se jurisprudência rejeitando esta pretensão, motivando então a Orientação Jurisprudencial nº 177 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que dispôs que "a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% em relação ao período anterior à aposentadoria".

Todavia, em face da Lei nº 9.528, de 1997, que introduziu no artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dois parágrafos, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminares em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) suspendendo a eficácia daqueles dispositivos, julgados inconstitucionais em decisão de mérito. Por força das decisões definitivas de mérito, deixou de ser exigido o concurso público para a permanência na atividade de empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista após a obtenção da aposentadoria previdenciária.

No tocante ao segundo parágrafo inserido pela referida lei, a decisão do Supremo consagrou a tese de que a concessão da aposentadoria não constitui causa de extinção automática do contrato de trabalho. Frise-se, entretanto, que nas Adins em questão o tribunal apreciou tão somente a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 453, permanecendo incólume à redação do seu caput não impugnado. Ainda mais, tais decisões contemplavam apenas os empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, não alcançando, portanto, os empregados da iniciativa privada.

Com base no entendimento de que a concessão de aposentadoria não constitui causa de extinção automática do contrato de trabalho, surgiram vários julgados no sentido de acolher a tese de que, nos casos de rescisão contratual ocorrida após a concessão da aposentadoria, os 40% de multa devem incidir sobre a totalidade do tempo de serviço, mesmo que anterior à aposentadoria do empregado. Em vista desta controvérsia sobre a extinção ou não do contrato de trabalho em face da aposentadoria espontânea do empregado, o pleno do TST decidiu, por unanimidade, suspender a Orientação Jurisprudencial nº 177, sem, contudo, firmar posição quanto ao mérito da matéria.

-------------------------------------------------------------------------------- A situação de incerteza levará o empregador a não mais continuar com a relação empregatícia após a aposentadoria --------------------------------------------------------------------------------

Voltemos, então, ao caput do artigo 453 da CLT, não atingido pelas decisões do Supremo, com a redação alterada pela Lei nº 6.204, de 29 de abril de 1975. Por força deste dispositivo, não serão computados os períodos, ainda que descontínuos, nos casos em que o empregado for despedido por falta grave, tiver recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente. Portanto, na hipótese de aposentadoria espontânea, não será computado o tempo anterior à sua ocorrência, iniciando-se nova relação de emprego com a permanência do empregado na empresa. Neste sentido podemos registrar algumas posições doutrinárias a respeito do tema, esposadas por Octavio Bueno Magano ("Manual de Direito do Trabalho", Editora Ltr), Arnaldo Sussekind e Luiz Inácio Barbosa de Carvalho ("Pareceres de Direito do Trabalho e Previdência Social", Editora Ltr) e Amauri Mascaro Nascimento ("Pareceres de Direito do Trabalho", Editora Ltr).

Conseqüentemente, em linha com tal pensamento, deduz-se que inexistindo a somatória de tempo de serviço dos períodos anteriores e posteriores à aposentadoria do empregado, não há como fazer incidir a multa de 40% sobre os depósitos do FGTS relativamente a todo o tempo de sua permanência na empresa. Tal penalidade somente incidiria sobre o período posterior à sua aposentadoria, quando da rescisão definitiva do seu contrato de trabalho.

Não obstante, persistem as controvérsias jurisprudenciais sobre o tema. A quarta turma do TST, em um julgamento recente, decidiu - com base na Lei nº 5.107, de 1966, que instituiu o FGTS - que ainda que o contrato seja único, a multa de 40% só incide sobre os depósitos efetuados após a aposentadoria. Outras turmas, contudo, julgaram casos semelhantes no sentido de que a multa deva ser calculada sobre o total dos depósitos efetuados em nome do empregado. Esta situação de incerteza certamente levará o empregador a não mais continuar com a relação empregatícia após a concessão da aposentadoria ao empregado, correndo o risco de pagar multa indenizatória agravante de seu passivo trabalhista. É lamentável que tal tendência venha a se materializar em prejuízo do empregador, que poderia contar com mão-de-obra experiente e qualificada, e do empregado aposentado, que perderá a oportunidade de um ganho adicional aos seus miseráveis proventos previdenciários.

José A. Marcondes de Moura é advogado e sócio do escritório Villela e Kraemer Associados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações