Título: SP cobra da União um plano para uso do gás
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2007, Brasil, p. A7

A secretária estadual de Saneamento e Energia de São Paulo, Dilma Seli Pena, vê com reservas as projeções sobre o risco de apagão nos próximos anos. Governo federal e empresários apontam cenários discrepantes sobre a possibilidade de faltar luz no país. Dilma, que representa os secretários estaduais no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), cobra a definição de planos de contingência para orientar os empresários e facilitar o trabalho do governo em situações de emergência.

O primeiro e mais urgente é o plano de contingência do gás natural, afirma Dilma. Para as indústrias, porque muitas fizeram conversão de seus fornos para o uso de gás. Para o setor elétrico, porque ela considera fundamental o termo de compromisso entre Petrobras e Aneel para aumentar progressivamente a oferta de gás às usinas térmicas até 2011. Dilma diz não entender como, apesar da insegurança sobre o fornecimento do insumo, o governo ainda não definiu um plano de contingência. "Falta um maestro", cutuca. "Talvez o governo esteja um pouco traumatizado com a experiência de 2001."

Dilma rejeita a construção de futuras usinas nucleares no Estado de São Paulo, conforme alternativa estudada pela Eletronuclear, e promete para dezembro um inventário para quantificar e localizar o potencial hidrelétrico que ainda resta em território paulista - cerca de 800 megawatts, antecipa.

A secretária acrescenta que, até o fim de setembro, terá um rascunho de um plano de contingência de São Paulo para enfrentar a possibilidade de escassez de água. "Vamos tratar de consumos prioritários e medidas operacionais", diz Dilma, frisando que não há nenhuma projeção de eventual desabastecimento. "Mas não se discute nada no calor dos acontecimentos", completa Dilma.

Valor: Como a sra. vê o risco de déficit de energia nos próximos anos?

Dilma Seli Pena: Há uma assimetria entre a percepção do governo e a percepção dos agentes. Os agentes estão preocupados. Essa preocupação nos chega sempre, nós também estamos preocupados. Com um cenário de crescimento anual de 4,8% do PIB, o leilão A-3 (com contratos para entrega após três anos) do ano que vem precisa ser bem-sucedido, para manter o abastecimento em 2011. Mas é incompleta a avaliação de que basta o sucesso desse leilão para garantir a segurança energética.

Valor: Por quê?

Dilma: Teremos uma matriz mais suja e mais cara. Além disso, o paradigma agora é preservar um nível de segurança nos reservatórios. No período seco, podemos acionar as usinas térmicas e ter um tempo maior para a recuperação do volume das represas, mantendo uma "poupança hidrelétrica". Mas, para isso, precisamos de gás. Vejo como fundamental o termo de compromisso assinado entre Petrobras e Aneel. Para cumpri-lo, é preciso que a exploração de gás tenha continuidade. Na penúltima reunião do CNPE, foi aprovada a 9ª rodada de licitação de blocos de petróleo e gás da Agência Nacional do Petróleo. Como está isso? Qual é a prioridade? Precisamos cumprir com o plano de expansão e mobilizar o GNL (gás natural liqüefeito), mas há complicações quanto ao transporte e elas não estão 100% equacionadas.

Valor: Que entraves não estão equacionados?

Dilma: A Lei do Gás, por exemplo, é importante e não está equacionada. Uma questão central é a posição da Petrobras, que quer o regime de autorização para o transporte, e segmentos que preferem o regime de concessão, dando segurança e mais opções aos investidores na produção. A nossa posição é por concessão. Outra questão é o preço. O CNPE orientou a ANP a contratar uma consultoria externa para avaliar a precificação do gás. É preciso saber, de fonte externa e independente, se o preço do gás vendido pela Petrobras é justo ou não. Ninguém sabe.

Valor: Empresários do setor elétrico têm cobrado do governo um plano de contingência. Está na hora de iniciar a discussão?

Dilma: Temos que ter planos de contingência. Talvez o governo esteja um pouco traumatizado com a experiência de 2001. Parece que há um receio de divulgar planos de contingência e perder a eleição. Não é assim, pelo menos não devia ser. Mas o mais importante neste momento é um plano para o gás, que é onde temos as maiores incertezas. Ele foi pensado e discutido (no Ministério de Minas e Energia), mas não avançou.

Valor: Por que não avançou?

Dilma: Olha, falta um maestro. Melhor teria sido fazer isso há quatro anos, com mais tranqüilidade e menos paixão. Veja a questão do Pan: houve um direcionamento do gás para o Rio de Janeiro. O que isso significa? Significa improvisação. Não pode haver isso com um setor tão estratégico. Os empresários de São Paulo, que adequaram suas plantas ao uso do gás, ficam inseguros. Vão tirar o gás do setor industrial para abastecer as térmicas? Nós defendemos que o abastecimento às indústrias seja prioritário. O Fórum dos Secretários Estaduais de Energia vai discutir o contingenciamento do gás dia 15.

Valor: O que os Estados podem fazer?

Dilma: Em São Paulo, estamos discutindo um plano de contingência para a água. Mil coisas podem acontecer, inclusive faltar chuva. Não é nosso caso este ano, felizmente, mas é preciso ter um plano. Até o fim de setembro já teremos alguma coisa.

Valor: Serão definidas priori- dades?

Dilma: Vamos tratar de consumos prioritários e medidas operacionais. Em uma situação de escassez de água, a Constituição prevê prioridade para o abastecimento humano e dessedentação animal. Mas como vamos distribuir a água da melhor forma? Oito horas por dia e fechando a distribuição durante a noite? Não podemos fechar para hospitais, por exemplo. Vamos bombear água com pressão menor? Tudo isso vai estar escrito e com uma determinação de como fazer. Não temos nenhuma previsão de déficit, mas na região metropolitana de São Paulo vivem 20 milhões de pessoas. Isso é organização. Não se discute nada no calor dos acontecimentos.

Valor: A Eletronuclear chegou a falar na possibilidade de instalar futuras usinas nucleares no Estado de São Paulo. A sra. é favorável?

Dilma: Logo após a penúltima reunião do CNPE, a Eletronuclear divulgou estudos em que sugeria a instalação de uma usina no Médio Tietê e outra no Alto Tietê. No Estado de São Paulo, não dá. Isso não é singelo. A produção de energia nuclear demanda uma quantidade enorme de água. Só em Angra 1 e 2, a vazão necessária para o processo é de 200 m3 cúbicos por segundo. Em toda a região metropolitana de São Paulo, a demanda é 66 m3/s.