Título: Projeto de lei do novo Cade
Autor: Petter, Lafayete Josué
Fonte: Correio Braziliense, 07/01/2011, Opinião, p. 19

O Senado Federal fez várias e sensíveis alterações no projeto de lei que trata do órgão regulador da concorrência no Brasil ¿ o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Entre outros efeitos, praticamente inviabilizou, ao menos no controle de estruturas, o cumprimento da missão àquele depositada.

Das alterações propostas e aprovadas, rompendo longa tradição legislativa na matéria, destacam-se: a) redução drástica de multas possíveis de serem aplicadas em caso de cometimento de infrações; b) dificuldades adicionais na caracterização de infrações no caso de pessoas físicas diretamente envolvidas; c) enfraquecimento da característica de coercibilidade e executoriedade das decisões proferidas pelo Cade, face a possibilidade de a discussão judicial questionadora de suas decisões ocorrer sem necessidade de depósito judicial em dinheiro, como consta na lei em vigor; d) aprovação por decurso de prazo no exame de atos de concentração econômica em exíguos e inimagináveis quatro meses, como regra, sem falar que, se a operação envolver cifras de menos de R$ 1 bilhão, nem sequer serão comunicadas ao sistema.

Ou seja, quando o Brasil se encontra em momento favorável de sua economia, instituições públicas sensíveis ao adequado funcionamento do mercado, acaso aprovado o projeto na nova versão apresentada pelo Senado Federal, retrocederão em parte ¿ no particular, com graves prejuízos ao ambiente concorrencial e à própria democracia ¿, com reflexos negativos para os consumidores e trabalhadores.

Explica-se: quando o poder econômico é compartilhado apenas por poucos ou pode comportar-se abusivamente e em domínio de mercado ¿ até mesmo pela esmaecida atuação da autoridade antitruste em face das novas regras confeccionadas no Senado Federal, ainda pendentes de aprovação final ¿ muitos valores ficam afetados. A concorrência diminui, o abuso de poder econômico fica potencializado, a desigualdade aumenta e o emprego também sofre. Sem falar nos consumidores, destinatários finais do comportamento dos agentes econômicos no mercado. A proteção que o microssistema do consumidor lhes confere não traz garantias contra empresas que podem adotar comportamentos monopolistas.

Esse quadro de agudização da desigualdade nos mercados traz repercussão sobre a própria esfera pública, dos governos. Ou seja, dada a aproximação do poder econômico ao poder político, a atuação das instituições públicas pode ficar menos direcionada para a coletividade em geral ¿ ao contrário, mais facilmente ajeita-se aos interesses particularizados representados pelos poucos que detêm quase todo o mercado. Conspira-se contra a democracia, no sentido mais abrangente do termo.

No exame das alterações legislativas que se põem no âmbito do antitruste, aqui examinado, identifica-se outro ¿costume¿ nacional. Sempre a lei nova é promessa de algo melhor, supostamente mais justa e mais eficiente. Ela apresenta o melhor caminho para problemas atuais, todos de solução impostergável. Na verdade, a inflação legislativa não respeita o que já existe de bom, arrostando a tão almejada segurança jurídica e trazendo inquietações aos operadores do direito e a mais abrangente concepção de Estado de Direito. As leis podem e devem ser alteradas, mas com preservação do que já se comprovou adequado.

Justo agora, quando se pretende aperfeiçoar uma legislação ¿ no caso, estruturando o Cade, para que possa funcionar mais eficazmente ¿, surgem essas emendas de última hora, aproveitando a oportunidade para que obscuros e menos nobres objetivos fiquem ali também aninhados, retirando, já no texto da futura lei, a maior efetividade que ela procura conferir ao sistema. Fiquemos alertas. A bola está com a Câmara dos Deputados.