Título: Tecnologias para a sustentabilidade
Autor: Kapaz, Emerson
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2007, Opinião, p. A14

Quando, na década de 80, a expressão desenvolvimento sustentável passou a fazer parte da agenda global, o Brasil, num primeiro momento, reagiu com apatia. Era como se não reunisse a maior diversidade biológica do planeta, nem abrigasse um terço das florestas tropicais ou não possuísse as maiores reservas mundiais de água, o rio Amazonas e seus afluentes à frente. Mas logo se credenciou a participar do debate, ao acolher o encontro Rio-92, que reuniu mais de uma centena de chefes de Estado em torno de um ambicioso projeto destinado a harmonizar, no século XXI, o desenvolvimento econômico e o cuidado com a natureza. Desde então, têm sido visíveis os esforços no sentido de criar uma consciência ecológica, sobretudo no universo empresarial.

A novidade agora é que os avanços, ainda tímidos, podem ocorrer de maneira muito mais rápida e eficaz se as novas tecnologias voltadas para o meio ambiente forem entronizadas no dia-a-dia da produção. Por exemplo, os motores tetrafuell, que operam com quatro combustíveis - álcool hidratado, gasolina misturada com álcool, gasolina pura e gás. Além de já terem a conversão de combustível automática e computadorizada, isto é, sem necessidade de intervenção do motorista, são muito menos agressivos a natureza que os motores tradicionais. Na prática, uma central eletrônica gerencia a melhor opção de combustível, selecionando aquele que é mais adequado para uma ultrapassagem mais rápida, a subida de uma ladeira mais íngreme ou a aceleração, sempre priorizando a economia. Já existem carros nacionais produzidos aqui e rodando com estas novidades. Esse sistema, Multifuell no jargão técnico, também já pode ser utilizado para ônibus e caminhões na versão diesel e gás natural. Ou, ainda incorporando a utilização do biodiesel. Estima-se economia de 30% de combustível por quilômetro, com a vantagem adicional de um menor índice nas emissões de poluentes e aumento da autonomia.

Entre as áreas onde as mudanças são mais promissoras, destaca-se o segmento de produtos originários de matérias-primas petroquímicas, como a produção do plástico. É o caso do processo de oxidegradação, há alguns anos em uso em países europeus e que, graças a um aditivo, reduz o tempo de degradação do plástico de centenas de anos para apenas alguns meses. O aditivo reduz a estrutura molecular a um nível que permite o acesso de micro-organismos ao carbono e hidrogênio, fazendo com que o plástico seja consumido por bactérias e fungos. Por causa disso ele pode ser chamado "biodegradável".

No caso dos supermercados, onde este produto começa a ser utilizado transformando-se posteriormente em sacos de lixo, a adoção de sacolas oxibiodegradáveis poderia diminuir a poluição ao meio ambiente em décadas. Dois dos maiores supermercados da Inglaterra, por exemplo, Tesco e Co-op, e a rede Sonae de Portugal, fornecem aos seus clientes sacolas oxibiodegradáveis nos caixas. Mais recentemente a rede Wall-Mart na Argentina também adotou esta tecnologia.

-------------------------------------------------------------------------------- Disposição de autoridades e empresários será maior se houver mobilização daqueles que consomem e utilizam serviços públicos --------------------------------------------------------------------------------

Se o tema for desenvolvimento sustentável, novidades tecnológicas não faltam. A Alemanha está construindo o maior parque de energia eólica (aquela que é produzida pelo vento) do mundo. O Japão aposta firme em programas de reciclagem e nos Estados Unidos a Califórnia vem ampliando firmemente o uso de energias renováveis. Os resultados são excelentes, não apenas no que se refere ao meio ambiente, mas também naquilo que diz respeito aos negócios. Além de dezenas de milhares de novos empregos, os valores gerados pelas novas tecnologias são contabilizados em bilhões e bilhões de dólares. O caso do Japão é emblemático. A reciclagem gerou negócios de US$ 60 bilhões, o dobro do tamanho do setor de tratamento de lixo no país.

No Brasil, o negócio verde tende a exibir resultados igualmente positivos. A dificuldade é superar obstáculos de práticas antigas, ligadas ao velho modelo econômico, sem cuidados com o meio ambiente, o que é a mesma coisa que não pensar nas gerações futuras ou mesmo na perenidade dos negócios. Vários Estados e empresas estão se antecipando e começam a surgir leis introduzindo o uso de plástico oxibiodegradável. É urgente que o debate e as pesquisas sobre estas tecnologias sejam aprofundados. São mudanças que repercutirão inclusive no prolongamento da vida útil dos aterros de lixo nas grandes cidades, onde o esgotamento é um dos graves impasses da atualidade. É vital que o consumidor pressione. É o consumidor, o cidadão, que fará a diferença. A sensibilidade das autoridades, dos empresários, e dos meios de comunicação, será diretamente proporcional à capacidade de mobilização e influência daqueles que consomem e utilizam os serviços públicos.

Como o cuidado com o meio ambiente exige muito mais do que mudanças de padrões tecnológicos, é certo que o movimento da cidadania terá contrapartidas positivas também no âmbito das reformas macroestruturais indispensáveis para tornar o país mais competitivo e reduzir os custos de investimento. Tudo que é preciso ser feito já se sabe e passa pelas reformas fiscal, tributária, e política. O que é preciso atentar é que as peças do quebra-cabeça podem até ser movidas isoladamente, mas fazem parte de um todo interdependente e complementar para melhoria do ambiente econômico e dos negócios, e que poderíamos chamar de "governança pública". Desta consciência coletiva, que hoje ganha traços firmes, é que emergirão os caminhos de mudança, tanto no âmbito governamental como da iniciativa privada.

Emerson Kapaz é presidente da Alek Consultoria Empresarial e consultor estratégico do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV).