Título: Com apagão de energia, Nicarágua pede ajuda a Lula, mas recusa etanol
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2007, Brasil, p. A2

Saído de um apagão aéreo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou um apagão de energia em Manágua, terceira escala de sua viagem pelo México e América Central. Falta luz durante sete a oito horas por dia na capital da Nicarágua. Lula prometeu apoio do governo brasileiro para a construção de uma hidrelétrica no país, para a qual já se habilitaram construtoras como a Andrade Gutierrez e a Norberto Odebrecht. Mas o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, se mostrou reticente em relação a programas de biocombustível. Ortega aceitou a cooperação brasileira, mas ressaltou que a produção de etanol não pode ser uma ameaça à segurança alimentar. É a posição defendida pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez.

A relação comercial entre o Brasil e a Nicarágua é irrelevante, mas muito favorável ao Brasil. O superávit chegou a US$ 60 milhões em 2006. A imprensa nicaraguense classificou Lula como um líder "de esquerda" e não "esquerdista", como Ortega. Foram assinados 12 acordos de cooperação entre Brasil e Nicarágua, inclusive de assistência técnica para a pesca, um dos principais produtos de exportação nicaraguense. Mas a delegação brasileira deixou o país com a convicção de que a Ortega só interessa investimentos diretos do Brasil.

Ortega condenou especificamente a produção de etanol a partir do milho, matriz norte-americana, que considerou um "crime". Em resposta, Lula fez uma longa exposição sobre o projeto alternativo de combustível brasileiro, que poderia ser útil inclusive para a Nicarágua, que enfrenta atualmente apagões de energia elétrica de sete a oito horas diários.

Lula voltou a Manágua após 26 anos. Andou pela cidade como carona de Ortega, que dirige sua própria Mercedes. Antes, na condição de dirigente do PT, se emocionou ao encontrar, pela primeira vez, Fidel Castro e Muamar Kaddafi, e se decepcionou por não ver Iasser Arafat. Como primeiro presidente "de esquerda" a fazer uma visita de Estado a Nicarágua, defendeu a democracia e o livre mercado que a oposição nicaraguense não reconhece no "esquerdista" Ortega. .

Ao replicar Ortega, Lula retirou um cravo da lapela do presidente nicaraguense para se colocar em "posição de combate". Disse que não queria "fazer biocombustível de cravo". Diplomático, afirmou que cada país deve adotar o modelo energético compatível com suas necessidades de segurança alimentar. "Assim como é impossível produzir etanol a partir do milho, na Nicarágua, é impossível a produção de biocombustível, no Brasil, a partir do feijão."

Segundo Lula, dos 440 milhões de área agricultável brasileira, em apenas 1% se planta cana de açúcar. E que os portugueses, há 400 anos, introduziram o plantio da cana sem recorrer às terras da Amazônia. Em resumo, que é possível a produção de combustível renovável sem degradar o meio ambiente.

Lula trabalhou como um mascate num país que integra um grupo que se opõe à produção de energia a partir de recursos renováveis. Disse que quando passou a estimular a produção de biodiesel pensou na oportunidade que se abre para os países mais pobres, sobretudo na África. Destacou que apenas 20 países produzem petróleo no mundo e que a produção de biocombustíveis deve envolver até 120 países. Entre eles, os mais pobres.

Pela terceira vez em sua viagem pelo México e América Central, Lula disse que lhe restam apenas pouco mais de três anos de mandato, enquanto seus anfitriões estão no começo de governo. Para Ortega, disse que ele estava há 16 anos fora do poder e que agora poderia fazer em cinco anos o que não conseguiu fazer em dez. "Cinco anos é um período longo para a oposição, mas para quem está no governo é muito rápido." Enfatizou a necessidade das alianças políticas. Internas e externas.