Título: ONG ligada ao PCdoB é campeã de repasses
Autor: Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 11/01/2011, Política, p. 4

NOVO GOVERNO Entidade dirigida por vereadora do partido lidera ranking de recursos recebidos do Ministério do Esporte em 2010: R$ 13 milhões do Segundo Tempo Se a ONG Bola pra Frente, dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora pelo PCdoB em Jaguariúna (SP), estivesse em uma competição por busca de dinheiro em 2010, poderia ser considerada campeã. A instituição foi a mais bem contemplada com recursos orçamentários do Ministério do Esporte, que continua sob o comando de Orlando Silva (PCdoB), entre todas as entidades sem fins lucrativos do país. Os R$ 13 milhões repassados pela pasta por meio do programa Segundo Tempo à ONG, que mudou de nome e agora atende por Pra Frente Brasil, são superiores, inclusive, à verba destinada a vários governos estaduais e prefeituras. Desse total, quase R$ 7 milhões foram pagos à entidade 16 dias antes do primeiro turno das eleições, em 3 de outubro.

O convênio firmado com o ministério caiu como um presente à ONG: foi publicado no Diário Oficial da União em 24 de dezembro de 2009 ¿ com vigência até o fim deste ano. Desde a sua fundação, em 2003, a entidade mantém parceria com o Ministério do Esporte. O dinheiro do convênio 2009-2011 é repassado sob a justificativa de ¿propiciar o acesso à prática desportiva, implantando 180 núcleos de esporte educacional, de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes como fator de melhoria da sua qualidade de vida¿.

Segundo o site da ONG, a entidade criada em 2003 atende mais de 18 mil crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade em 16 municípios paulistas.

Apenas dois bancos e duas secretarias de governo receberam mais repasses do Ministério do Esporte no ano passado em comparação à Pra Frente Brasil. A Caixa Econômica Federal é responsável pelo pagamento do Bolsa Atleta. O Banco do Brasil recebeu recursos do ministério para compor o capital social da empresa Brasil 2016. Além deles, as secretarias de Esporte e da Juventude de Minas Gerais e a da Juventude, Esporte e Lazer de São Paulo ultrapassam o valor pago à ONG. O restante foi dividido em diversas entidades sem fins lucrativos e órgãos públicos municipais e estaduais do país inteiro, incluindo os localizados em regiões mais pobres e com índice de desenvolvimento humano mais baixo que os de São Paulo. Todos receberam menos de R$ 13 milhões no ano passado. Procurado pela reportagem, o Ministério do Esporte não se manifestou.

Desigual

Para o professor de educação física da Universidade de Brasília Paulo Henrique Azevêdo, especialista em gestão e marketing do esporte, ¿é complicado¿ que as mesmas entidades sempre sejam contempladas com verbas do Segundo Tempo. ¿Será que outras instituições não pleiteiam recursos para desenvolver as ações do programa? Já soube que algumas prefeituras que não são de partidos aliados quiseram verba, mas não conseguiram¿, conta.

Ele ressalta que o Segundo Tempo deu condições para que a atividade física fosse disseminada. ¿É fundamental para que as crianças brasileiras, que são as que menos praticam atividades físicas na América do Sul, façam mais. Isso aliado a ações de alimentação e tarefa escolar.¿

Sem contato

Quem também está entre as entidades sem fins lucrativos mais contempladas pelo Ministério do Esporte em 2010 é o Instituto Contato, sediado em Santa Catarina. No total, quase R$ 7 milhões foram parar nas contas da organização para ações do Segundo Tempo. Até o fechamento desta reportagem, a entidade não se manifestou sobre os números e não apontou quem são os seus dirigentes.

Legenda tem ¿um peso a mais¿

A gerente da ONG Pra Frente Brasil, Karina Rodrigues, ex-jogadora de basquete e atualmente vereadora eleita em Jaguariúna, argumenta que a entidade recebe um montante significativo porque realiza um bom trabalho, fiscalizado e avalizado, segundo ela, pelos tribunais de contas da União e estadual, pelo Ministério Público e pela Controladoria-Geral da União. No entanto, ela admite que o fato de ser do mesmo partido do ministro Orlando Silva tem peso sobre a questão.

¿Tem um peso a mais sim, mas por essa coincidência partidária nós também somos mais fiscalizados. O direito constitucional garante a qualquer cidadão ser filiado a partidos. Eu não mudaria de partido se a presidente Dilma Rousseff escolhesse um ministro do Esporte de outra sigla¿, afirma.

Quanto aos R$ 6,9 milhões recebidos a menos de 20 dias do primeiro turno eleitoral, Karina diz que o pagamento deveria ter sido feito em 22 de junho, mas houve atraso. ¿Nós somos conscientes dos valores que recebemos. Não vejo relação entre as eleições e a verba recebida. Não houve desvio técnico ou de recursos. Esse dinheiro foi depositado diretamente em uma caderneta de renda fixa sem risco da Caixa Econômica, como prevê o convênio¿, diz Karina, que apontou o número da agência e da conta onde o dinheiro estaria.

Memória

Notas frias e prisões

O principal programa do Ministério do Esporte já avançou das páginas esportivas para as policiais. No ano passado, cinco pessoas chegaram a ser presas em Brasília acusadas de desviar R$ 2 milhões de um total de R$ 2,9 milhões repassados pelo ministério a duas ONGs ligadas ao PCdoB no DF. A Operação Shaolin revelou que notas frias foram usadas para simular compra de merenda, uniforme e material esportivo em nome da Federação Brasiliense de Kung Fu e da Associação João Dias, presididas pelo policial militar João Dias Ferreira. João Dias foi candidato a distrital em 2006 pelo PCdoB e compôs a chapa encabeçada por Agnelo Queiroz, que ainda era do partido e pleiteava uma cadeira no Senado.

Procurada à época, a pasta justificou que sabia das irregularidades e que, por isso, cancelou ou não renovou os convênios.

Em 2006, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades na execução do Segundo Tempo em Pernambuco. O texto motivou a abertura de inquérito no Ministério Público Federal. A CGU encontrou falhas que iam desde dispensa de licitação a contratação de pessoal com recursos do convênio sem processo seletivo. (LK)