Título: A valia de ser subvalorizado
Autor: Rodrik, Dani
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2007, Opinião, p. A21

O mais importante dilema de política enfrentado pelos mercados emergentes atualmente é o seguinte: por um lado, o crescimento econômico sustentado exige uma moeda competitiva (leia-se "subvalorizada"). Por outro lado, toda boa notícia é imediatamente seguida de apreciação da moeda, tornando a tarefa de se manter competitivo tão mais difícil.

Então, você finalmente aprovou aquela peça de legislação crucial? Seu partido fiscalmente responsável acaba de vencer a eleição? Ou suas exportações de commodities tiraram a sorte grande? Bom para você! Mas a apreciação da moeda resultante provavelmente provocará uma disparada insustentável no consumo, causará estragos no seu setor de exportação, gerará desemprego e esgotará o seu potencial de crescimento. O sucesso traz a sua recompensa na forma de punição imediata!

Em resposta, os bancos centrais podem intervir nos mercados de moeda para prevenir a apreciação, ao custo de acumularem reservas externas de baixo rendimento e de se distraírem do seu objetivo primário, a estabilidade dos preços. Esta é a estratégia adotada por países como China e Argentina.

Ou então o banco central deixa os mercados se moverem para onde quiserem, ao custo de provocar a ira do empresariado, dos trabalhadores e do resto do governo e, na verdade, de praticamente todos, menos da classe financeira. Esta é a estratégia conduzida por países como Turquia e África do Sul, que adotaram regimes de "metas de inflação" mais convencionais. A primeira estratégia é problemática porque é insustentável. A segunda é indesejável, pois compra estabilidade à custa do crescimento.

A importância de uma moeda competitiva para o crescimento econômico é inegável. Praticamente todos os casos de crescimento sustentável elevado têm sido acompanhados de uma taxa de câmbio real significativamente depreciada. Isto vale tanto para a Coréia do Sul e Taiwan, na década de 1960 e 1970, como para a Argentina atual. O Chile promoveu a sua transição para alta taxa de crescimento na década de 1980 apoiado numa expressiva depreciação. Desde a década de 1990, China e Índia receberam um enorme impulso das suas moedas subvalorizadas.

Estes são apenas alguns exemplos mais conhecidos. Observando a experiência de mais de 100 países, apurei na minha pesquisa que cada 10% de subvalorização acrescenta 0,3 pontos percentuais ao crescimento.

A subvalorização da moeda é um instrumento tão possante para o crescimento pelo simples motivo de que ela gera incentivos para os setores promotores de crescimento na economia. Ela aumenta a rentabilidade dos setores industrial e agrícola não-tradicional, que são as atividades com o maior nível de produtividade de mão-de-obra e que também apresentam as mais velozes taxas de aumento de produtividade.

Uma moeda subvalorizada permite que uma economia se integre à economia mundial sobre uma base de desempenho robusto nas exportações. Ela estimula a produção (e portanto, o emprego), ao contrário da supervalorização, que estimula o consumo.

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Então o que devem fazer os formuladores de política? Primeiro, é importante compreender que o ajuste de uma moeda forte e altamente volátil não é problema de competência exclusiva do banco central. Apesar de o banco central arcar com uma boa parcela da responsabilidade, ele precisa do apoio de outras partes do governo, mais notadamente do Ministério das Finanças. Manter uma moeda competitiva requer um aumento na poupança interna em relação ao investimento, ou uma diminuição nos gastos nacionais em relação à renda. Caso contrário, os ganhos de competitividade seriam anulados pela inflação ascendente.

Isso significa que as autoridades fiscais têm uma grande responsabilidade: estabelecer uma meta de superávit fiscal que seja grande o suficiente para gerar o espaço necessário para a depreciação real do câmbio. A medida pode não ser popular, especialmente durante uma retração econômica. Mas ninguém tem o direito de se queixar da política de "moeda valorizada e alta taxa de juro" do banco central quando a política fiscal continua frouxa demais para permitir que as taxas de juros sejam reduzidas sem colocar em risco a estabilidade dos preços.

Existem outros instrumentos disponíveis para aumentar a poupança interna e reduzir o consumo, além do equilíbrio fiscal. As políticas de governo podem visar a poupança privada diretamente, por meio de iniciativas para poupar através de políticas previdenciárias e tributárias apropriadas. Mais importante ainda, as políticas podem desestimular os surtos de consumo puxados pelo crédito por meio da tributação dos ingressos de capital (no estilo do Chile) ou aumentando as exigências de liquidez dos intermediários financeiros. Há pouco a lucrar com a concessão de ingresso livre ao capital de curtíssimo prazo na economia.

Com essas políticas implantadas, a zona de conforto dos bancos centrais é ampliada de forma suficiente a permitir a expansão da política monetária. Igualmente importante, o banco central precisa sinalizar ao público que passou a cuidar da taxa de câmbio real, pois ela é importante para as exportações, a geração de emprego e o crescimento sustentável.

Isso pode ser feito sem anunciar um nível específico de meta para a taxa de câmbio. Existe uma enorme margem de manobra entre os extremos de fixar um nível específico de taxa de câmbio real e a renúncia a qualquer interesse na taxa de câmbio real. O banco central precisa ter uma opinião, atualizada de tempos em tempos, a respeito da margem de variação apropriada da taxa de juro, e a instituição deve sinalizar quando acreditar que a moeda estiver se movendo na direção errada.

Assim que as regras do jogo monetário incorporarem a taxa de câmbio real, e pressupondo que a política fiscal continue oferecendo apoio, os investidores poderão esperar por uma moeda mais competitiva e menos volátil no futuro. Isso significará mais investimento em setores negociáveis, mais emprego na economia como um todo e crescimento mais acelerado.

Você saberá que teve êxito quando o secretário do Tesouro dos Estados Unidos vier bater à sua porta dizendo que você é culpado de manipular a sua moeda.

Dani Rodrik é professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org