Título: Governo descontenta construtoras com limite societário em usinas do Madeira
Autor: Rittner, Daniel e Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Brasil, p. A2

Os principais interessados na concessão da usina Santo Antônio, primeira das duas hidrelétricas do rio Madeira, ficaram descontentes com algumas diretrizes estabelecidas pelo governo para a licitação do empreendimento. A maior queixa refere-se ao limite de 20%, imposto pelo Ministério de Minas e Energia, para a participação societária de construtoras e fornecedores de equipamentos. Essa restrição pode afetar os planos de Odebrecht, Camargo Corrêa e do consórcio formado por Alusa, Schain, a chinesa CTIC e a argentina Impsa - também fabricante de equipamentos. Em uma análise preliminar, a restrição só não atinge a franco-belga Suez Energy.

O texto da portaria não deixa claro se os 20% referem-se à soma de construtoras e fornecedores ou se cada um destes grupos poderia ter 40%. No entanto, a leitura do setor privado é de que os dois grupos, juntos, podem ter 20%. Por isso, os próprios candidatos a arrematar a concessão da usina viram, na iniciativa do governo, uma forma de aumentar as chances de estatais - subsidiárias do grupo Eletrobrás, como Furnas, ou o BNDES-Par - ficarem com o controle da sociedade de propósito específico (SPE) a ser formada para disputar o leilão da hidrelétrica, mesmo tendo menos de 50% das ações.

A Odebrecht é a empresa que se sentiu mais prejudicada com a limitação. O grupo tinha a intenção de ficar com aproximadamente 30% de participação acionária da usina. Alstom, Voith-Siemens e VA Tech também se preparavam para entrar na sociedade. A assessoria do Ministério de Minas e Energia não soube explicar o motivo do limite de 20%. Preocupada, a Odebrecht começa a analisar hoje se essa imposição tem amparo jurídico e pretende manifestar-se contrariamente à diretriz fixada pelo governo, durante a consulta pública que será feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Na avaliação da construtora, o governo comete um erro ao dificultar a entrada no leilão de empresas com experiência em grandes projetos e com o capital necessário para tocar as hidrelétricas do Madeira. A Odebrecht espera contar ainda com uma participação de até 49% da estatal Furnas e de 20% de um fundo de investidores liderados pelo Santander/Banif. Para a construtora, o interesse das empresas privadas no empreendimento diminui com a diluição das participações acionárias de cada uma - conseqüência esperada da limitação de 20% às construtoras e fornecedoras de equipamentos.

A Camargo Corrêa, segundo segundo informou seu diretor, João Canellas, previa que algo poderia ser fixado nessa linha, com indicações vindas da BNDESPar, e, por isso, já articulava um consórcio com vários sócios. "A nossa maior preocupação é com o prazo apertado e com a indefinição da participação estatal no leilão (que consideramos ilegal), ainda não clareada pelo governo".

Para Canellas, o que o governo buscou com isso foi a pulverização do capital societário da empresa (uma Sociedade de Propósito Específico-SPE). Porém, não deixou claro se os 20% serão antes ou depois do leilão. "Por isso, a definição se estatais vão agora ou depois é muito importante".

As diretrizes serão publicadas em portaria do ministério, na edição de hoje do "Diário Oficial" da União. Servem de base para a redação, pela Aneel, do edital de licitação. O Ministério de Minas e Energia esclareceu, porém, que nenhuma diretriz é definitiva e pode haver mudanças, dependendo das discussões na consulta pública.

A primeira versão do edital deve sair ainda esta semana. De acordo com o MME, a falta de menção a um possível veto à presença de estatais no leilão - idéia manifestada pelo ministro interino Nelson Hubner - não significa que o assunto esteja decidido no governo. O Valor apurou que a tendência é pela manutenção do consórcio Furnas/Odebrecht e liberação de outras subsidiárias da Eletrobrás e de BNDES-Par para outros interessados. Mesmo assim, essa solução, provavelmente desagradaria alguns grupo, como o da Camargo.

Também preocupou as empresas a data para entrada em operação da usina Santo Antônio, com potência prevista para 3.150 megawatts (MW). Conforme as diretrizes, os empreendedores devem começar a entrega da energia a partir de 2012. O problema, segundo o setor privado, é que o atraso na obtenção da licença ambiental prévia e a data programada para o leilão podem inviabilizar o início das obras a tempo de cumprir o cronograma. O leilão foi marcado para 30 de outubro.

A intenção do governo era fazer a licitação no primeiro semestre, mas as dúvidas do Ibama para emitir a licença prévia atrasaram o cronograma. Para entregar a energia de Santo Antônio a partir de 2012, as empresas consideram necessário iniciar as obras em 2008. Terão pouco mais de 12 meses para isso - o que julgam ser um prazo exíguo para fechar toda a engenharia financeira do empreendimento, além de elaborar o projeto executivo de engenharia e os projetos básicos ambientais. São peças essenciais para conseguir obter, junto ao Ibama, a licença de instalação, que autoriza o início das obras.

Além da data de 30 de outubro e das restrições às construtoras, a portaria assinada por Hubner dá outras diretrizes importantes, como a garantia de que o governo leiloará em 2008 as linhas de transmissão necessárias para conectar as usinas do Madeira ao sub-mercado do Sudeste e Centro-Oeste. A conexão se dará em subestação coletora em Porto Velho (RO) e os vencedores da licitação não ficarão responsáveis por custos envolvidos na futura construção de hidrovias no Madeira.