Título: Queda de ponte expôs falha na infra-estrutura dos EUA
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Internacional, p. A9

Motivados por lamentação ou curiosidade, os habitantes de Minneapolis continuam se reunindo às margens do rio Mississippi para ver as ruínas de sua ponte. É uma visão monumentalmente estranha, especialmente à noite, sob a luz dos holofotes. A visão das vigas retorcidas e dos destroços de automóveis torna difícil acreditar que o número de mortos foi tão baixo - apenas oito corpos apareceram até agora, e cinco pessoas estão desaparecidas. Além disso, estranhamente, não ocorreram os esperados congestionamentos de tráfego nas imediações. Isso, provavelmente, vai mudar, no mês que vem, quando as faculdades voltam à atividade e os estudantes retornam à Universidade de Minnesota. O que começou como tragédia e transformou-se em espetáculo perdurará como um estorvo.

Os engenheiros que se apressaram em inspecionar outras pontes pelo EUA construídas segundo o mesmo projeto de treliças de aço estão informando que elas parecem seguras. O mesmo se aplica, dizem eles, à maioria das 73.784 pontes que, como a que ruiu em Minnesota, são classificadas como "estruturalmente deficientes". O diretor do Departamento de Transportes da California enfatizou que não recearia atravessar as pontes no Estado com sua família. O que é, por um lado, tranqüilizador - mas a questão é bem outra.

O problema com a infra-estrutura americana não é que os motoristas corram risco de cair nos rios. Episódios dramáticos podem dominar as notícias, mas as rodovias e pontes do país são menos perigosas do que ineficientes e decrépitas. Enormes montantes de dinheiro estão sendo gastos apenas para mantê-las num estado medíocre, e mais verbas terão de ser gastas no futuro. Em parte por essa razão, a nova infra-estrutura necessária para uma população em rápido crescimento não está sendo implantada com rapidez suficiente. E os EUA estão demorando para achar alternativas para custear novos projetos ou para racionalizar o uso da infra-estrutura existente.

Em que condições está a infra-estrutura dos EUA? A mais abrangente resposta vem da Sociedade Americana de Engenheiros Civis, que dá notas ao país como se fosse um aluno. Seu primeiro boletim, em 1988, atribuiu três B (para aviação, defesa contra enchentes e água potável) e um D. Todos os outros sistemas receberam nota C. Em suma, um aluno lento, mas não irrecuperável. Em 2005, os EUA eram um aluno péssimo, sem notas A ou B, com quatro C e dez D. É preocupante que a segunda melhor nota foi para as pontes.

Na realidade, os americanos não precisam desses boletins para saber que há algo de errado. Eles vivem o problema toda vez que passam por buracos nas ruas (e isso acontece freqüentemente - cerca de 27% das vias urbanas foram classificadas como insatisfatórias em 2005). Os americanos percebem o problema mesmo parados no asfalto, esperando sua vez de entrar numa estrada engarrafada. No ano passado, mais de 20% dos vôos nos EUA chegaram com mais de 15 minutos de atraso - o pior desempenho em seis anos. E eles refletem sobre o que deu errado enquanto esperam em congestionamentos cada vez mais longos. Nos dez anos a partir de 1995, o número de quilômetros rodados aumentou 23%, ao passo que a extensão das rodovias cresceu 2%. O resultado é o esperado.

O mais estarrecedor, talvez, é o custo de conservação de um sistema tão dilapidado. Os gastos em infra-estrutura cresceram muito desde a década de 50, mesmo levando-se em conta a inflação e o crescimento populacional. Hoje, a maior parte da verba se destina a remendar infra-estrutura decrépita. Os gastos em novos projetos e importantes reformas caíram nas décadas de 70 e 80, mas desde então cresceram, e são agora maiores até mesmo do que nos anos dourados da construção de estradas.

O dinheiro não produz nem de longe obras como no passado. Alan Soltani, da Benham, empresa de engenharia civil, desfia uma lista de razões pelas quais novas estradas e pontes agora custam tanto para ser construídas. Mão-de-obra e indenizações são muito mais caros que no passado. Os padrões de segurança são mais rigorosos. As vias são mais largas. O custo dos materiais subiu sensivelmente, em boa parte porque os EUA têm de competir com países (como a China) que estão investindo pesadamente em infra-estrutura. O preço do concreto estrutural subiu 73% apenas nos últimos dois anos. Em conseqüência, a rede está crescendo apenas lentamente. Entre 1960 e 1965, os EUA construíram 144 mil milhas de novas estradas. Entre 2000 e 2005, o país implantou apenas 59 milhas.

Nenhum Estado ilustra esse padrão - expansão acelerada, contração brusca e expansão acelerada forçada - melhor que a Califórnia. Nos anos 60, o Estado despejou verba em rodovias, oleodutos e universidades com base na premissa do destino manifesto de crescimento do Estado. "Temos muito dinheiro e temos de fazê-lo", explicou Pat Brown, governador à época. O resultado foi um sistema educacional soberbo e uma rede rodoviária que parecia miraculosa. Reyner Banham, crítico arquitetônico britânico, considerou a intersecção das auto-estradas 10 e 405, em Los Angeles, como "uma das grandes obras do homem".

Nessa interseção ocorrem hoje alguns dos maiores congestionamentos americanos. Devido a várias décadas de subinvestimento e a um acentuado incremento no tráfego de mercadorias pesadas, as estradas da Califórnia estão em petição de miséria. Segundo o deliciosamente preciso "índice internacional de rugosidade", as únicas rodovias em piores condições estão em Nova Jersey, que tem a desculpa de seus invernos gelados. Diques estão ruindo nas imediações de Sacramento, ameaçando terras agrícolas e subúrbios. Não surpreende que, persuadidos pelo governador Arnold Schwarzenegger, o eleitorado californiano autorizou em novembro a emissão de quase US$ 20 bilhões em bônus para cobrir despesas com obras relacionadas a transporte, e outros US$ 4 bilhões para controle de enchentes.

O que foi amplamente elogiado como uma solução ousada de longo alcance para os problemas de infra-estrutura do Estado é, de fato, pouco mais que um remendo. A remuneração dos bônus terá de vir dos impostos em geral. Uma vez que subir impostos é, na Califórnia, politicamente desagradável, tudo o que as medidas referentes à infra-estrutura fizeram foi liberar dinheiro que teria sido gasto no futuro. Com os bônus, o ônus do custeio das estradas do Estado foi jogado também nas costas de todos os contribuintes, em vez de punir aqueles que mais usam as rodovias. Isso é indesejável do ponto de vista econômico; é ainda uma oportunidade perdida, pois há um modo simples de fazer as pessoas pagarem pelo uso das rodovias.

Os impostos sobre a gasolina que cobriram os custos de grande parte do sistema de auto-estradas americanas no pós-guerra foram comidos pela inflação e pela melhoria na eficiência no consumo de combustível. O imposto federal, de 18,4 centavos de dólar por galão, não sobe desde 1993. Na Califórnia, o imposto de 18 centavos de dólar continuou inalterado desde 1994. Em termos reais, para percorrer uma milha, os motoristas no Estado hoje pagam cerca de um terço em impostos sobre o consumo de combustível, em comparação com o início dos anos 60, segundo o Instituto de Políticas Públicas da Califórnia. Mas elevar tais impostos é politicamente difícil. Duas vezes nos últimos dois anos o governador de Minnesota, Tim Pawlenty, vetou projetos de lei para o setor de transportes que envolviam alta de impostos. "Como podem ser tão estúpidos?" perguntou sobre os que defendiam um desses projetos - palavras que agora voltaram para assombrá-lo.

Isso teria menos importância se dinheiro privado estivesse sendo aplicado em larga escala em infra-estrutura, ou se estivessem sendo descobertas novas maneiras de controlar a demanda. Nada disso está acontecendo. Em parte devido ao enorme mercado de dívida pública (cuja remuneração é isenta de impostos), é freqüentemente mais fácil, para os Estados, arcarem com seus próprios sonhos, em vez de entregar o desenvolvimento dos projetos à iniciativa privada. Uma nova estrada que operará com sistema de cobrança de pedágio no Texas e está sendo construída por uma empresa espanhola atraiu protestos indignados. O Reino Unido e a Europa estão bem mais avançados em relação aos EUA no recurso a parcerias público-privadas, assim como progrediram mais do que os EUA na atribuição de preços a congestionamentos. "Aqui é a terra da liberdade", ironiza Richard Little, da Universidade do Sul da Califórnia.

O colapso da ponte em Minnesota poderá contribuir para mudança de atitudes. Uma pesquisa Gallup em nível nacional feita logo depois do acidente descobriu que mais de metade dos entrevistados acreditam que o desastre sinalizou amplas inadequações no sistema de transportes do país. Quase 75% manifestaram-se favoráveis a gastos de US$ 100 bilhões para reformar pontes. Mas pesquisas de opinião tendem a revelar vigoroso apoio a gastos em praticamente qualquer coisa. A questão real é se os americanos estão dispostos a pagar mais impostos em troca de uma infra-estrutura melhor .

Em um Estado, essa pergunta poderá em breve ser respondida. Um arrependido Pawlenty agora parece estar considerando a possibilidade de aumentar o imposto sobre o consumo de gasolina.

(Tradução de Sergio Blum)