Título: Dispersão de risco cria nova desordem mundial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Empresas, p. B10

Bem-vindo ao novo mundo das finanças.

À medida que as turbulências do setor de crédito imobiliário de alto risco dos Estados Unidos sacodem os mercados pelo planeta, os investidores estão aprendendo uma lição sobre como problemas inesperados podem surgir num sistema financeiro mundial que mudou totalmente nos últimos anos.

Os mercados assumiram um papel cada vez mais importante desde as crises financeiras dos anos 80 e 90. Quando os bancos fazem empréstimos, eles geralmente são reunidos em títulos vendidos em fatias a investidores pelo mundo, mudando de mãos várias vezes. Isso dissipa o risco, algo que as autoridades acreditam que mantém a estabilidade e a saúde do sistema financeiro.

Mas as desvantagens desse sistema podem ser significativas. Uma arquitetura financeira que dispersa o risco também ajudou a criá-lo. E quando surgem os problemas - como ocorreu no mercado imobiliário americano -, eles podem aparecer em praticamente qualquer lugar do mundo e de maneiras que ninguém previa.

Nas últimas semanas, créditos imobiliários problemáticos nos EUA surgiram nos portfólios de fundos de hedge, bancos e veículos de investimento na Austrália, Alemanha, França, Cingapura, Coréia do Sul, China e no resto do mundo. Os investidores também descobriram que esses empréstimos de alto risco, conhecidos como subprime, foram usados como garantia para alguns títulos de curto prazo que são parte de um mercado de US$ 2 trilhões a que bancos e investidores recorrem com regularidade para receber doses rápidas de dinheiro, quando necessário.

Até poucas semanas atrás, muitas autoridades dos bancos centrais manifestavam confiança de que os problemas com crédito imobiliário de alto risco haviam sido contidos.

"O lado ruim de se espalhar o risco é que quando os problemas crescem o suficiente, afetam todos os mercados, a despeito de outros aspectos fundamentais", diz Cristopher Mayer, especialista em mercado imobiliário e professor da Universidade Columbia, de Nova York.

Nos anos 80 e 90, quando surgiam problemas financeiros em lugares como o México, a Tailândia e os EUA, eles geralmente se restringiam ao país, ficando em seus bancos. Agora os bancos geralmente vendem seus créditos logo depois de fazer os empréstimos. Esses créditos acabam parando em alguns instrumentos de investimento, como títulos lastreados por recebíveis ou por hipotecas residenciais, que são vendidos a investidores ao redor do mundo. Com isso, pode ser que os investidores e credores tenham relaxado na hora de verificar os tomadores e se assegurar de que eles teriam condições de pagar seus empréstimos ou estavam usando o dinheiro de maneira astuta.

Outro problema é que a mesma estrutura que dispersa o risco pelos quatro cantos do planeta também pode espalhar o medo em tempos de incerteza.

"O crédito foi para o buraco, e assim as pessoas ficaram nervosas", diz Tim Krochuk, diretor-gerente da GRT Capital Partners, uma administradora de recursos de Boston. Por causa disso, os investidores começaram a tirar dinheiro dos fundos de hedge com investimentos no setor. Eles também tiraram seu capital de outros lugares. "Como alguns dos títulos mais exóticos não são realmente negociáveis agora, as pessoas obtêm liquidez indo a outros mercados" para vender papéis e fazer caixa, diz ele.

Entre as vítimas estão as bolsas americanas, que arrastam consigo os outros mercados do globo. Análise da GRT Capital mostra que ações de empresas cuja saúde financeira está se deteriorando tiveram desempenho significativamente melhor nas últimas três semanas do que as de empresas com boa situação econômica, porque os fundos de hedge estão se desfazendo de suas melhores apostas. "Por que você compraria uma ação ruim e venderia uma boa?", pergunta. "Porque é obrigado a fazê-lo."

(Colaborou Jon E. Hilsenrath)