Título: Fed se vê entre evitar a recessão ou ajudar a semear uma bolha futura
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Empresas, p. B10

Wall Street tem um sonho: o de que o Federal Reserve, o banco central americano, resgate os mercados financeiros com um profundo corte nas taxas de juros.

Por trás desse sonho há um problema, algo que as pessoas no mundo financeiro chamam de risco moral.

Risco moral é um velho conceito econômico com raízes no negócio de seguros. A idéia é essa: se você protege bem demais alguém contra um resultado indesejado, essa pessoa pode comportar-se descuidadamente. Alguém que compra uma cobertura de seguro abrangente para seu carro pode dirigir muito rápido porque se sente protegido financeiramente.

Hoje em dia, os investidores e economistas usam o termo para se referirem ao desejo de que o Fed corte os juros. Se os investidores acreditarem que o Fed os resgatará de seus excessos, as pessoas assumirão mais riscos e, no final, sofrerão conseqüências maiores. Alguns queixam-se de que o Fed criou problemas desta maneira em 1998, 1999 e 2003.

Se o Fed cortasse as taxas agora, certamente ajudaria a resolver o problema. O dinheiro mais barato reduziria a pressão nos mercados de ações e de renda fixa ao facilitar a compra de ações, papéis de dívida e outros títulos em todo o mundo. Wall Street tem um lobby poderoso em Washington, e para os políticos, cujas campanhas muitas vezes dependem de contribuições financeiras de figuras do mercado financeiro, pode ser difícil resistir a seus apelos por ajuda.

Se o Fed resolvesse fazer o resgate, temem os céticos, encorajaria as pessoas a especular ainda mais, criando uma bolha ainda maior mais tarde.

"Você não quer que o Fed salve esses caras que ganharam uma montanha de dinheiro. Eles cavaram a própria cova e agora você quer que eles se enterrem nela", diz um veterano operador de uma corretora de Nova York. "Mas ninguém quer ver a economia entrar em recessão."

Resumindo, essa é a escolha com que as autoridades do Fed se defrontam hoje.

No início de seu mandato à frente do Fed, Ben Bernanke era visto por muitos investidores como alguém que teria uma tendência a resgatar as pessoas. Bernanke foi apelidado de "Helicóptero Ben" por causa de uma referência que fez certa vez a uma teoria econômica segundo a qual, diante da ameaça da deflação, o papel do Fed é despejar dinheiro na economia como se estivesse jogando-o de um helicóptero.

Bernanke não estava defendendo uma postura como essa, e muitas pessoas acharam que o apelido era injusto. Levou alguns meses de insistência contínua de que ele não estava prestes a baixar os juros e alimentar a inflação para os chatos pararem de chamá-lo assim.

Agora, é o outro lado que está nervoso, temendo que sua recusa em baixar os juros prejudicará a economia e permitirá que a crise do crédito imobiliário se espalhe. Semana passada, as autoridades do Fed divulgaram um comunicado que reiterava sua determinação em combater a inflação, e os medrosos reclamaram que o Fed estava sendo duro demais.

Mas os velhos críticos de Bernanke - aqueles que costumavam chamá-lo de Helicóptero Ben - aplaudiram. Escreveram artigos anunciando a morte do "piso do Bernanke". Essa é outra referência difícil, neste caso relacionada a uma opção de venda que permite ao investidor vender sua ação a um preço mínimo, limitando quaisquer potenciais perdas. Os críticos reclamavam que enquanto as pessoas podiam contar com o Fed para intervir quando houvesse problemas, Bernanke oferecia um "piso" para as bolsas. Antes dele, as pessoas chamavam isso de "piso do Greenspan", uma referência ao então presidente do Fed Alan Greenspan.

Com gente gritando de todos os lados, a resposta do Fed tem sido buscar o equilíbrio. Em vez de baixar os juros, o Fed ofereceu empréstimos adicionais aos bancos, para garantir a eles que há dinheiro o bastante no sistema financeiro, e se ofereceu para comprar títulos dos bancos que acham que estão com papéis demais em carteira neste momento de crise.

Economistas geralmente acham que a solução adequada para esses problemas é começar devagar e usar o menor nível de intervenção possível. O Fed parece estar dizendo isso, que se ele conseguir aprumar o navio sem cortar os juros, é o que vai fazer, e que não reduzirá os juros a menos que a situação piore.

Debates desse tipo, em que surgem expressões estranhas como risco moral, acontecem há décadas, e recrudescem toda vez que recrudescem as crises. Algumas das questões datam da época das tentativas malsucedidas do governo americano para salvar a economia da Grande Depressão, um assunto sobre o qual Bernanke escreveu muito. Outras são ainda mais antigas.

Há quem ainda reclame que o Fed, à época liderado por Greenspan, colaborou para a bolha acionária do fim dos anos 90. Em 1998, o Fed reduziu as taxas de juros para sustentar o mercado de renda fixa depois que ele foi varrido pela moratória russa e o quase colapso de um enorme fundo de hedge que se especializava em títulos de renda fixa, o Long-Term Capital Management. O Fed também encorajou os bancos a resgatar esse fundo de hedge. As ações, das quais as mais arriscadas haviam caído mais de 20% naquele ponto, se recuperaram rapidamente.

(Colaborou Greg Ip)