Título: Para o governo, turbulências são temporárias e país está preparado
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Finanças, p. C2

A área econômica do governo vê as turbulências no mercado financeiro como temporárias, mas não descarta a hipótese de uma deterioração maior. O Banco Central vinha alertando para os riscos de uma eventual mudança de humor nos mercados e, de certa forma, preparou-se para esse cenário. O Ministério da Fazenda, por enquanto, não vê por que criar um grupo para lidar com a crise. A prioridade, afirma, continuam a ser os projetos de investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A leitura de um economista do governo é que, depois de sofrerem prejuízos no mercado imobiliário americano, instituições financeiras movem-se para realocar as suas aplicações internacionais, para cobrir perdas. Não se sabe quanto tempo isso vai durar porque é desconhecido o tamanho total da exposição.

Até agora nada indica, na opinião dessa fonte, que esse movimento nos portfólios vá causar uma crise sistêmica, mesmo porque os bancos centrais de economias desenvolvidas já deixaram claro que vão fornecer a liquidez que for necessária ao mercado.

No Brasil, a realidade é o contrário, com excesso de liquidez. Em 3 de agosto, o BC enxugava no curtíssimo prazo excesso de liquidez de R$ 105,63 bilhões, em boa parte criada pela compra de dólares pelo próprio BC.

O Brasil, diz um economista, deverá ser afetado durante esse período de volatilidade. Mas não se pode descartar que seja beneficiado logo adiante, com uma política monetária menos apertada nos EUA e Europa. É remota, segue a fonte, a possibilidade de o Federal Reserve (Fed) promover imediatamente cortes nos juros, como diziam alguns rumores na semana passada, mas é provável um cenário distensão monetária em 2008.

Uma ponderação é que não há aceno concreto do Fed na direção da redução dos juros, apenas a indicação de que dará assistência de liquidez. Três fatores podem estar levando setores do mercado a esperar menos juros: 1) a crença de que, diante do risco de uma crise sistêmica, o Fed deixará em segundo plano sua preocupação com a inflação; 2) as posições assumida por investidores os levariam a fazer torcida por juros menores; 3) a fuga de investidores para ativos de menor risco reduziu a curva de juros americanos, o que não significa, necessariamente, que esse cenário vá se confirmar nas decisões do Fed.

De qualquer forma, dá certa tranqüilidade o fato de os juros americanos estarem atualmente em 5,25%. O cenário é bem diferente do que aconteceu no Japão na década de 1990, que, com juros baixos, entrou no que os economistas chamam de "armadilha monetária" - ou seja, a impossibilidade de usar os juros para fazer a economia reagir.

As informações disponíveis até agora, afirma uma fonte, ainda são muito limitadas para indicar os efeitos sobre as exportações brasileiras e sobre o câmbio. Sabe-se que "hedge funds" vinham atuando no mercado de "commodities", puxando as cotações de produtos exportados pelo Brasil. Se reduzirem essas posições, os preços das "commodities" podem cair. Mas não há certeza disso, já que existe de fato uma demanda forte no mercado internacional pelos produtos exportados pelo país. Na hipótese de o preço das "commodities" cair, poderá haver alguma desvalorização cambial, o que é ruim para o controle da inflação. Mas, de outro lado, a queda nas cotações das "commodities" se constituiria em choque de oferta positivo, puxando a inflação para baixo.

Não estão descartadas perdas para setores do mercado, sobretudo no mercado acionário, mas o bom nível de capitalização e as rígidas regras de controle de risco afastam riscos maiores. O presidente do BC, Henrique Meirelles, já vinha fazendo alertas sobre os riscos do excesso de otimismo, em linha com a postura assumida por diversos banqueiros centrais no exterior. Foi essa preocupação que levou o BC a impor em junho medidas que, num período de bonança, limitaram os riscos cambiais assumidos pelos bancos. O pior cenário da crise, diz uma fonte, é uma recessão. Não se pode afastar o risco de um movimento organizado de realocação de ativos de transformar em movimento irracional e descontrolado. Nessa hipótese, o Brasil não ficaria imune. Mas os bons fundamentos garantem uma travessia mais tranqüila.

As reservas internacionais, em em US$ 158,444 bilhões, são tidas como suficientes. O volume representa mais do que o dobro da dívida externa de curto prazo com vencimento residual, de US$ 70,413 bilhões em junho, incluindo as amortizações que vencem em 12 meses. O mercado de títulos públicos sofreu impacto limitado das turbulências, ao contrário do que aconteceu na crise de meados de 2006. É um sinal de que o mercado está mais líquido e maduro, com maior participação de investidores institucionais.