Título: Crise afeta pouco aquisições no Brasil
Autor: Adachi, Vanessa e Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Finanças, p. C3

O aperto no crédito sentido nos mercados americanos, que suspendeu operações ambiciosas de aquisição e está levando alguns negócios de volta à mesa de negociações, está longe de surtir o mesmo efeito sobre as empresas brasileiras. Aqui a onda de compras alavancadas mal está começando, e as companhias estão numa fase anterior às americanas quando se fala de estrutura de capital.

"As brasileiras acabaram de captar um enorme volume de recursos na bolsa. Agora é que se iniciaria o ciclo de tomada de grandes dívidas para aquisições", diz Alexandre Bettamio, diretor da área de banco de investimentos do UBS Pactual. Esse tende a ser o roteiro, diz ele, se as condições de mercado permitirem.

Exceção feita à fila de captações externas das companhias brasileiras que aguarda um momento mais calmo para lançamento nos mercados internacionais, pouca coisa mudou por enquanto nos planos de expansão de companhias nacionais.

Nos últimos dias, uma das poucas captações externas foi feita na quinta-feira. Uma colocação de US$ 125 milhões por 3 anos do frigorífico 4Marcos no mercado norte-americano de high yield, que vem sendo muito utilizado para créditos com garantias de exportação de empresas de médio porte. Foi o primeiro empréstimo externo da empresa, que pagou Libor mais 4,5%, um custo considerado razoável.

Na sexta-feira a GP Investments anunciou a aquisição da empresa de perfuração de petróleo Pride International por US$ 1 bilhão, dos quais US$ 600 milhões financiados. O empréstimo-ponte foi fechado com o Citi e o fundo já começou a negociar a troca dessa dívida por outra mais longa com bancos .

Um dos principais focos de problemas no exterior é dificuldade que os bancos passaram a enfrentar para repassar a investidores um estoque de US$ 400 bilhões de empréstimos concedidos a empresas para aquisições.

No Brasil, os casos de aquisições via crédito bancário ou mercado de capitais ainda são contados nos dedos. A compra da Inco pela Vale do Rio Doce é o maior deles. Um caso mais modesto é a compra da Providência por um grupo de fundos. O Santander converteu o empréstimo-ponte concedido ao grupo controlador numa emissão de notas promissórias, que comprou integralmente. Metade da emissão foi paga pelos controladores com recursos obtidos na abertura de capital da companhia, e a outra metade será paga em até 6 meses por uma emissão de debêntures de R$ 250 milhões. Outras duas operações de maior porte foram frustradas: a tentativa de aquisição da Perdigão pela Sadia e da Corus pela Companhia Siderúrgica Nacional.

A maior parte das empresas brasileiras listadas na bolsa tem um baixíssimo índice de alavancagem (dívida líquida em relação à geração operacional de caixa) se comparadas a seus concorrentes internacionais. Em alguns casos, como nas aberturas de capitais recentes, a alavancagem chega a ser negativa, ou seja, há mais dinheiro em caixa do que dívida. Tal situação não é ideal do ponto de vista da estrutura de capital, mas pode ajudar num momento de crise. O caixa pode ser usado para aquisições, considerando que a guerra de ofertas resultará em valores totais das empresas mais baixos, sem o excesso de crédito turbinando os concorrentes. As empresas com dinheiro em caixa também passam a ter vantagem ao disputar uma compra com os gigantes de private equity no exterior, que tipicamente tomavam crédito de até 90% do valor total da aquisição.

Na avaliação de José Olympio Pereira, diretor de banco de investimento do Credit Suisse, as empresas brasileiras vinham num processo de desalavancagem e essa situação de liquidez de caixa pode protegê-las de um aprofundamento da crise nos mercados de crédito. "Na crise de 2002, empresas como Eletropaulo, Klabin e Usiminas estavam altamente endividadas. Hoje, é raro um índice de alavancagem superior a 3." Ou seja, uma empresa que deva mais de três anos de lucro operacional (lajida, lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização).

Grandes operações de dezenas de bilhões de dólares como a compra da Inco pela Vale do Rio Doce, ocorrida no ano passado, podem ficar mais caras no cenário atual. Mas os índices de endividamento das companhias brasileiras ainda estão longe de bloquear o acesso ao crédito. No mês passado a própria Vale chegou a sondar um grupo de bancos para levantar um empréstimo de cerca de US$ 40 bilhões para fazer uma oferta pela canadense Alcan. Desmobilizou os banqueiros quando a rival Rio Tinto colocou a sua oferta sobre a mesa. Na avaliação de alguns banqueiros de investimento, a Vale poderia ter dificuldades hoje para levantar tal cifra, principalmente por conta de um custo maior que impactaria o retorno do investimento. No caso da compra da participação na usina Sparrows Point, por US$ 270 milhões, o pagamento deverá ser feito com recursos do caixa. Por meio da assessoria de imprensa, a Vale disse que "não comenta hipóteses" e informou redução do seu endividamento nos últimos meses. No segundo trimestre, o endividamento de médio e longo prazo da companhia caiu de US$ 23,48 bilhões para US$ 19 bilhões, e a empresa reduziu os custos.

As novas condições do mercado pegaram em andamento a operação de compra de ações da Telemar por seus controladores, que tiveram que reabrir negociações com os bancos. Segundo o Valor apurou, JP Morgan, ABN AMRO, Banco do Brasil e UBS passaram a pedir uma taxa mais alta. A nova linha pode ser fechada neste início de semana. O encarecimento do crédito, nesse caso, se deve a dois fatores. Não só à piora das condições de mercado, mas também à elevação do preço de compra proposto pelos controladores, de R$ 35,09 para R$ 45 por ação da Tele Norte Leste Participações. O aumento do preço a ser pago, por si, ampliou o risco do empréstimo, que está sendo concedido para uma holding sem acesso direito ao caixa da empresa operacional do grupo.

Para o diretor de investimentos do ABN Amro, João Teixeira, por enquanto o mercado acredita que a turbulência é temporária. "O problema é que ninguém sabe a extensão das perdas e há um excesso de conservadorismo". O comportamento dos mercados nas próximas semanas deve determinar se os movimentos já podem ser considerados como crise.

Teixeira tem várias operações externas à espera de um melhor momento para venda. Segundo ele, não há situações de urgência porque as empresas estão capitalizadas. "O nervosismo nos mercados nos relembra que o cenário benigno não vai durar 100 anos, e as empresas estão analisando suas necessidades de capital e preparando as operações necessárias para a próxima janela de oportunidade." O mais provável é que novas captações ocorram a partir de setembro, já que agosto é mês de férias no Hemisfério Norte.

Créditos de valores menores, que podem ser carregados nos balanços locais dos bancos sem necessidade de sindicalização ou venda de bônus nos mercados ainda não foram afetados.

José Augusto Carvalho, do fundo de private equity Axxon, diz que por enquanto as condições acertadas pela instituição para aquisições alavancadas continuam as mesmas. "O custo acertado antes da turbulência continua o mesmo, mas nossas operações são de valor baixo", diz Carvalho. Os créditos para o fundo oscilam entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões, e podem ficar tranquilamente no balanço dos bancos.

Teixeira, do ABN, confirma que créditos para aquisições que podem ser carregados no balanço local continuam disponíveis. "Pode haver uma mudança de custos, mas não de disponibilidade até agora."

O mercado de debêntures até agora não foi afetado, segundo os coordenadores das operações. As três últimas vendas, entretanto, foram concluídas antes do início da turbulência nos mercados. No caso da empresa de shoppings BR Malls, a tranche de nove anos com correção pelo IPCA saiu com custo para a companhia abaixo do teto. O mesmo ocorreu com a concessionária de rodovias ViaOeste.