Título: Nesta crise, um país de fato mais robusto
Autor: Lamucci, Sergio e Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Finanças, p. C4

Com reservas elevadas, contas externas robustas e um sistema financeiro sólido, o Brasil deve sofrer pouco se houver um eventual agravamento das turbulências externas, dizem analistas como o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos. Desta vez, o país parece de fato mais preparado para enfrentar os sobressaltos no mercado internacional. Se o terremoto financeiro se tornar uma crise da economia real, o Brasil deve apanhar mais, provavelmente crescendo menos e tendo que desacelerar a trajetória de queda dos juros, mas sem grandes traumas. Nesse cenário, não haveria necessidade de uma estratégia preventiva por parte do governo.

Para Fraga, o Brasil está sem dúvida bem mais preparado do que em crises anteriores. "A situação é mais confortável em termos absolutos, e não apenas em relação à posição anterior do próprio país", afirma ele, lembrando que o Brasil tem hoje superávit em conta corrente, recebe um fluxo considerável de investimentos estrangeiros diretos e tem reservas de quase US$ 160 bilhões. Na crise de 1999, por exemplo, o país tinha um balanço de pagamentos muito frágil, com elevado déficit em conta corrente - naquele ano, o rombo chegou a 4,8% do PIB; nos 12 meses terminados em junho, há um superávit de 1,3% do PIB.

Fraga ressalta ainda outro ponto positivo do país: os bancos por aqui estão saudáveis. Ao contrário do que ocorre atualmente nos EUA ou na Europa, não há o temor de que as carteiras de algumas instituições financeiras estejam sobrecarregadas. Para ele, não deverá haver problemas em fundos hedge brasileiros. Fraga diz que é difícil avaliar se fundos menores estão muito alavancados, mas essa não parece ser a situação mais provável.

Para Antônio Bonchristiano, co-presidente da GP Investments, a crise externa mostra que a saúde financeira brasileira está como nunca esteve. "A bolsa no Brasil se ajustou, mas não há reflexo significativo no câmbio, nos juros. Para o país, é uma situação inusitada."

Uma diferença importante entre a situação no Brasil e a que está sendo vivenciada nos EUA e na Europa diz respeito à alavancagem. No mercado externo, ganharam corpo nos últimos anos as aquisições de companhias a partir de empréstimos, fartos e baratos. Financiamentos no setor imobiliário também atingiram níveis recordes, sendo esses ativos usados como lastro para emissões de títulos. "Aqui, as compras alavancadas estão apenas começando e o mercado imobiliário está aquecido e crescendo, mas ainda tem um volume baixo. O Brasil é subalavancado", diz Bonchristiano.

Para a GP, o principal reflexo da crise externa no Brasil, desta vez, será sentida no mercado acionário. Os fundos de investimento estrangeiros, que eram os principais compradores de papéis nas ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), irão se retrair, porque muitos registraram saques ou perdas em suas carteiras. "Esse investidor será mais seletivo, mas o mercado precisava mesmo de um ajuste para sofrer uma depuração", afirma Fersen Lambranho, também co-presidente da GP.

E se a turbulência financeira afetar com força a economia real? Nesse caso, avalia Fraga, os preços de commodities e a demanda por produtos brasileiros no exterior tenderiam a recuar, resultando num crescimento menor da economia. Também há a possibilidade de o ritmo de queda dos juros ter de ser reduzido, diz ele. "Mas, em termos de reação de politicamente econômica, não seria preciso fazer muita coisa", diz Fraga. Para ele, não há a necessidade de fazer um grande esforço fiscal e monetário como em crises anteriores. Bonchristiano e Fersen crêem que os juros continuarão a cair e não haverá impacto no crescimento.

Para o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN AMRO, no caso de a turbulência se tornar uma crise mais grave, com desaceleração significativa da economia global, o impacto sobre o Brasil será mais forte. Uma queda expressiva dos preços de commodities tenderia a provocar a uma desvalorização mais relevante do câmbio, levando ao fim do ciclo de queda dos juros. Schwartsman avalia que a turbulência financeira não atingiu, pelo menos por enquanto, a economia real.

O nível de reservas é apontado como um dos grandes trunfos brasileiros. No fim de 2002, elas estavam em apenas US$ 16,3 bilhões, excluindo os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje são quase US$ 160 bilhões. Mesmo assim, Fraga lembra que, num país com o câmbio flutuante como o Brasil, parte de um eventual ajuste externo ocorre por meio da correção do preço da moeda. A vantagem é que, como as reservas são elevadas, o BC pode suavizar um eventual movimento de desvalorização mais forte do câmbio, ofertando dólares se considerar necessário, diz ele.