Título: A razoabilidade e os acidentes de trabalho
Autor: Gaia, Terezinha
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Legislação & Tributos, p. E2

São preocupantes as estatísticas sobre acidentes do trabalho e doenças profissionais no Brasil. Somente no ano de 2005 ocorreram 491.711 acidentes do trabalho e 2.708 mortes, conforme divulgado pela Agência Brasil em fevereiro de 2007. Assim, é necessário que cada agente incumbido de eliminar ou reduzir essas estatísticas - ou seja, que governo, empregadores e trabalhadores faça efetivamente sua parte.

Ao governo, cabe a regulamentação, fiscalização, pesquisa em ações voltadas à segurança e higiene do trabalho. Seria de sua responsabilidade ter banido, por exemplo, o amianto, comprovadamente cancerígeno e já eliminado do processo de produção em 48 países. Não o fazendo, descumpriu sua assinatura em duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - a Convenção nº 132, na qual o país se compromete a excluir do processo do trabalho qualquer substância cancerígena, e a Convenção nº 162, que prevê o uso controlado da substância até que se desenvolva um substituto, o que já ocorreu. Deve, também, promover junto aos trabalhadores campanhas motivacionais e de conscientização quanto aos riscos do trabalho. Já as empresas empregadoras têm a incumbência de implementar programas voltados para a segurança e a saúde do trabalhador, fornecendo equipamentos coletivos e/ou individuais para reduzir ou mitigar os efeitos de agentes físicos, químicos e biológicos na integridade física do trabalhador, bem como promover o treinamento para o uso de máquinas e equipamentos necessários à execução dos serviços e a supervisão de seu uso. Quanto aos trabalhadores, mediante instruções, sua tarefa é a de utilizar os equipamentos de modo correto. Sem a ação deste tripé, a meu ver, os números acima não serão reduzidos.

No esteio de inúmeras alterações que o Ministério da Previdência Social vem procedendo, foi editado o Decreto nº 6.042, de fevereiro de 2007 que, regulamentando a Lei nº 10.666, de 2003, dispõe sobre o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), de finalidade nitidamente extrafiscal. A aplicação desse fator poderá levar a uma redução de até 50% ou a um aumento de até 100% nas alíquotas do Seguro Acidente de Trabalho (SAT), que são de 1%, 2% ou 3%, de acordo com o risco da atividade econômica, conforme a gestão da empresa em relação aos riscos ambientais do trabalho.

O FAP, calculado por empresa, leva em consideração a quantidade de benefícios concedidos aos seus trabalhadores, aqui incluídos os denominados benefícios previdenciários (não decorrentes de acidente do trabalho), a gravidade destes eventos, expressa na duração em dias do benefício, e o custo desses benefícios, apurado pelo valor correspondente ao salário-de-benefício diário dos benefícios considerados no cálculo.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso adequar o FAP para que ele se torne efetivamente uma medida de avaliação da política empresarial --------------------------------------------------------------------------------

Embora seja uma iniciativa louvável, na medida em que visa premiar os empregadores responsáveis e punir com um ônus maior os negligentes, a nova regra contém equívocos que resultarão em injustiças, e não representará, em alguns casos, o efetivo cuidado e responsabilidade da empresa para com seus funcionários.

A inclusão dos benefícios previdenciários na apuração do FAP, explicada pelo anexo da Resolução nº 1.269, de 2006, do Ministério da Previdência Social e do Conselho Nacional da Previdência Social pela ocorrência de subnotificação de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), não se justifica. Primeiro, porque a emissão de CAT , por si só, não caracteriza o acidente do trabalho, que sempre vai precisar da análise e exame do acidentado pelo médico-perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a quem cabe, exclusivamente, estabelecer o nexo causal entre o acidente ou lesão e o trabalho. Em segundo lugar, a CAT pode ser emitida por qualquer autoridade, conforme dispõe a legislação. Além disso, os benefícios previdenciários foram concedidos e assim caracterizados pela própria perícia médica do INSS que, se tomar conhecimento de que se trata de acidente do trabalho, tem o dever de notificar à Receita Federal do Brasil para que providências sejam tomadas. Entender de forma diferente é atestar o atendimento médico pericial deficiente ao segurado. Por outro lado, a gestão de uma empresa numa política de prevenção ou redução de acidentes não alcança as causas que originaram a doença ou lesão de um benefício previdenciário. Portanto, a inclusão de benefícios previdenciários na apuração do FAP retira seu caráter extrafiscal. Se há constatação de subnotificação da CAT, medidas mais diretas deverão ser adotadas.

Quanto ao auxílio-acidente, somente poderá ser considerado aquele decorrente de acidente do trabalho ou doença profissional, uma vez que este benefício é concedido em razão de seqüelas provenientes de acidentes de qualquer causa ou natureza. Ao ser estabelecida a expectativa de vida como definição para a cessação do auxílio-acidente, também o decreto se mostra equivocado, porque, desde dezembro de 1997, este benefício deixou de ser vitalício, sendo pago até a véspera do início de qualquer aposentadoria. Outro engano é quanto ao índice de custo. Sendo custo, representa a despesa incorrida pelo órgão previdenciário com o pagamento dos benefícios. Assim, o valor a ser considerado é aquele correspondente à renda do benefício, que nem sempre equivale ao salário-de-benefício. Por exemplo, no caso do auxílio-doença acidentário, a renda consiste em 91% do salário-de-benefício. Já no caso do auxílio-acidente, a 50%.

Portanto, em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, torna-se necessário adequar e conformar a apuração do Fator Acidentário de Prevenção para que ele se torne efetivamente uma medida de avaliação da política empresarial quanto aos riscos ambientais do trabalho.

Terezinha Gaia é advogada do escritório Vinhas Advogados e professora convidada de direito previdenciário e tributário do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (Ceped) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Getulio Vargas (FGV)

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