Título: Etanol e carbono ainda precisam virar commodities
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Caderno Especial, p. F2

O aquecimento global e as iniciativas criadas com o Protocolo de Kyoto formaram um cenário positivo para o desenvolvimento de um mercado futuro para o setor de energia limpa. Mas as principais apostas do mercado - etanol e créditos de carbono - ainda dão passos bastante tímidos no Brasil.

Menina-dos-olhos dessa nova "área verde" da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), os contratos de etanol, relançados em maio, carecem de liqüidez. Já sobre os negócios com carbono, que estreiam na bolsa paulista em setembro, no mercado à vista, faltam conhecimento de mercado e oferta.

Para os analistas, é um comportamento previsto. É necessário um tempo de maturação para papéis novos. "Não é de uma hora para outra que produtos se transformam em commodities internacionais", afirma Félix Schoushana, diretor de agronegócios da BM&F. Nenhum especialista ouvido pelo Valor arrisca-se a prever quando esses mercados irão deslanchar.

Dois fatores travam a comercialização de etanol no mercado futuro. Um deles é o alto preço do litro, sustentado pela demanda no mercado doméstico puxada pelos carros flex-fuel. Cerca de 85% do volume de álcool produzido no Brasil, de 19 bilhões de litros ao ano, é direcionado para consumo interno.

Os preços elevados, por si só, já afetariam a competitividade do produto nacional. Some-se a isso o fato de os EUA - um dos principais destinos dos embarques brasileiros de etanol ao lado da Ásia - imporem uma tarifa de US$ 0,54 por galão (3,785 litros) importado e o que se vê é uma baixa atratividade para investidores.

"Preços altos mais sobretaxa tiram a competitividade do álcool brasileiro", diz Schoushana. Para contornar o problema, o que usineiros brasileiros tentam fazer é exportar para países do Caribe e América Central, onde beneficiam o álcool para reexportá-lo aos EUA. Por força de acordo, a região está isenta do pagamento da tarifa para entrar no mercado americano.

Segundo o especialista da BM&F, só uma redução nos preços do litro no país e a busca de mercados alternativos para exportação impulsionariam as negociações a termo. "O que dá liquidez é oscilação de preços ou a existência de pessoas precisando fazer hedge para garantir preço, como tem acontecido com o milho", afirma.

Por ora, os contratos de álcool na BM&F estão em compasso de espera. Lançados inicialmente em 2000, somente em reais e para o mercado interno, os contratos de etanol foram relançados há pouco mais de dois meses, de olho no exterior. São cotados em dólar e o produto pode ser entregue no porto de Santos. No primeiro momento, foram lançados 500 papéis com vencimento curto (em agosto). Hoje há 1300 em aberto, com ofertas até abril de 2008.

Em volume, a BM&F comercializou 100 milhões de litros de álcool nesses pouco mais de dois meses. Os contratos ainda em aberto colocam no mercado outros 39 milhões de litros. É muito pouco perto do volume negociado de outras commodities agrícolas - equivale à produção anual de uma usina sucroalcooleira de pequeno porte.

"É normal que o contrato novo demore para pegar. Mas temos tido algum volume, o que é um princípio de liqüidez", diz Schoushana. "Nova York também tenta alavancar os negócios de álcool, mas também sofre com falta de liquidez".

No âmbito dos créditos de carbono, a primeira experiência será feita na segunda quinzena de setembro. A BM&F realizará o leilão de quase 800 mil toneladas de carbono da Prefeitura de São Paulo referentes ao aterro Bandeirantes, na zona norte da cidade de São Paulo.

A minuta do edital já está publicada no site da prefeitura para consulta pública. Até o fim do mês, os termos do leilão eletrônico devem ser divulgados. A BM&F antecipa apenas que estabeleceu o número mínimo de três participantes. "No primeiro momento atuaremos só no mercado spot", diz Guilherme Fagundes, chefe do departamento de projetos especiais da Bolsa.

A comercialização de créditos de carbono está prevista no Protocolo de Kyoto através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). É por meio desse mecanismo que empresas ou países desenvolvidos podem compensar sua poluição comprando os "créditos" de projetos limpos em países em desenvolvimento. Cada tonelada de carbono que deixa de ser jogado no ar equivale a um crédito.

Segundo Fagundes, os leilões serão agendados pela BM&F, conforme demandado pelos proponentes de projetos de MDL, podendo ser acessados pela internet. A opção pelo leilão se explica pela oferta limitada e pelo risco inerente à geração de créditos. Fagundes cita como exemplo os aterros sanitários. Em alguns países, diz, a performance desses projetos tem sido de 30% a 40% - menos, portanto, que o esperado. "O carbono ainda não é um mercado commoditizado. Para ser um derivativo são precisos instrumentos de garantias mais pesados", afirma Fagundes.

Esse, no entanto, será apenas o primeiro primeiro leilão dos créditos gerados pelo Aterro Bandeirantes. A expectativa é que a Prefeitura de São Paulo disponibilize mais 4 milhões de toneladas até 2012. Um segundo aterro sanitário da capital, o São João, também deverá ter leiloados seus créditos

"A Índia e a ECX (European Climate Exchange, em Amsterdã) também ensaiam uma bolsa de créditos de carbono", diz Maurik Jeehe, superintendente de vendas de créditos de carbono do ABN Amro Real. "A BM&F está fazendo um ensaio e todo mundo está olhando para essa experiência."

Outra idéia da BM&F, ainda em análise, é a criação de fundos de carbono com cotas listadas na bolsa, nos moldes do que já ocorre com commodities agrícolas e metais. "Mas para isso precisamos de regulamentação", alerta Fagundes. O Brasil - terceiro país em número de projetos de MDL, atrás de China e Índia - não tem regulamentada a tributação desses créditos.