Título: O ECONOMISTA brasileiro
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2007, EU & Fim de Semana, p. 4

Professor brilhante, pioneiro no diagnóstico do problema da inércia inflacionária, ministro controvertido da ditadura militar, banqueiro, bon vivant e profundo conhecedor de ópera, Mário Henrique Simonsen é o economista brasileiro mais importante, de acordo com pesquisa promovida pelo Valor. Morto há dez anos, Simonsen teve 27 votos em uma consulta que contou com 63 eleitores, apenas dois à frente de Celso Furtado, a principal referência do pensamento econômico desenvolvimentista. Num distante terceiro lugar aparece o ex-ministro Eugênio Gudin, ícone do pensamento ortodoxo, com cinco votos, seguido de perto por outro economista conservador - Roberto Campos -, com quatro.

A pesquisa não seguiu critérios metodológicos rigorosos. O jornal procurou 100 economistas de diversas escolas e tendências. Desse total, 63 concordaram em participar, declarando seu voto no "economista brasileiro mais importante da história". Três votaram em mais de um nome .

Nelson Perez / Valor Furtado, "mais historiador e filósofo do que economista", estudioso da economia como dimensão da vida social, pensou para o Estado o papel de coordenador do esforço pelo desenvolvimento O resultado espelha a tradicional disputa no Brasil entre economistas ortodoxos e heterodoxos - embora Simonsen não tenha sido exatamente um baluarte da ortodoxia. "Nunca foi monetarista como eu ou o Gudin. Era mais um keynesiano moderadamente intervencionista" - disse certa vez Roberto Campos, ao falar sobre o ex-ministro da Fazenda de Ernesto Geisel e ex-ministro do Planejamento de João Baptista Figueiredo.

De qualquer modo, os votos dados a Simonsen vieram quase todos de economistas hoje considerados ortodoxos. "Simonsen teve uma trajetória importante desde jovem. Foi um brilhante formulador do crucial Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo) e um excelente ministro. Vencido na disputa de poder que precedeu a década perdida, contribuiu em muito para o debate público até o fim de seus dias, de maneira brilhante, clara, bem-humorada e desinteressada" - diz Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, sócio da Gávea Investimentos. E acrescenta: "Até hoje não surgiu um substituto. Foi de Simonsen o diagnóstico inicial do problema da inércia da inflação, por ele denominada realimentação inflacionária". Fraga também vê em Simonsen o educador que formou "gerações de economistas, sem dogmatismo".

Edu Garcia /AE Nas salas de aula, na produção acadêmica, nos artigos que escrevia para públicos mais amplos, Simonsen era, sobretudo, alguém que "conseguia escapar de dogmas" Carlos Geraldo Langoni, outro ex-presidente do BC, vai na mesma linha, ao apontar a influência de Simonsen "na formação de gerações de economistas por meio da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV, que ele fundou e dirigiu, durante vários anos, sendo seu mais brilhante professor". Langoni destaca ainda "a profundidade e amplitude de sua contribuição acadêmica, cujo destaque é a versão brasileira dos textos básicos de teoria dos preços e macroeconomia".

O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore diz que a produção acadêmica de Simonsen no Brasil foi "extremamente importante". Os quatro volumes de seu texto sobre microeconomia "foram marcantes na formação de toda uma geração de economistas". No campo da macroeconomia, "sua melhor contribuição foi o livro 'A Dinâmica Macroeconômica', escrito logo após sua saída do Ministério da Fazenda". Pastore lembra outra faceta de Simonsen: "Ele contribuiu também para o debate mais amplo, com artigos publicados na imprensa e em revistas de economia. E produziu artigos acadêmicos importantes, dentre os quais destacaria os que iniciaram a formulação das causas da inércia na inflação brasileira derivada da indexação dos salários às inflações passadas."

Simonsen também teve votos de não ortodoxos. O professor Caio Prates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), votou no ex-ministro por sua visão eclética. Para Prates, isso ficou claro no diagnóstico de Simonsen sobre o processo inflacionário brasileiro. O ex-ministro chamou a atenção para o componente inercial, sem se limitar a uma abordagem ortodoxa convencional do problema. "Ele conseguia escapar de dogmas."

Esse é também o motivo que fez o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros escolher Simonsen. Sua análise sobre o que ele chamava de realimentação inflacionária mostra uma visão de quem não ficava refém do livro-texto, diz. Mendonça de Barros tem restrições, porém, à atuação de Simonsen como ministro no governo Geisel, por não ter feito, afirma, as correções de rumo que seriam necessárias depois do primeiro choque do petróleo, em 1973. Sem o ajuste externo e uma redução da demanda interna, o país continuou a crescer com força - como queria Geisel -, e os desequilíbrios aumentaram, avalia Mendonça de Barros. Por essa visão, o ministro Simonsen não esteve à altura do economista Simonsen.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola tem opinião mais benigna da passagem de Simonsen pelo governo. "Muitas vezes não conseguia fazer vencedoras suas idéias e posições no governo, mas quase sempre seu diagnóstico se revelava exato. No governo, defendeu a opção por um ajuste mais forte e profundo da economia brasileira à crise externa, mas acabou prevalecendo uma visão mais gradualista e leniente, que trouxe posteriormente grandes custos ao país."

Em segundo lugar na pesquisa ficou Celso Furtado. Para ele foram os votos, em peso, dos não ortodoxos. O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, avalia que Furtado está a uma "certa distância" dos outros economistas brasileiros, elogiando principalmente sua abordagem da economia como uma dimensão da vida social. Para Belluzzo, a obra do ex-ministro de João Goulart mostra uma visão de mundo abrangente e integrada. Quanto a Simonsen, Belluzzo afirma que ele era de fato um "economista brilhante, fascinado por arranjos formais", mas com "dificuldade para passar do abstrato para o concreto".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, elogia a atualidade do pensamento de Furtado. "Suas idéias permanecem válidas e atuais, uma vez que o desenvolvimento por vias heterodoxas de países como China e Índia confirma suas proposições acerca da heterogeneidade estrutural entre economias e da necessidade de uma atuação coordenada do Estado para romper as barreiras do subdesenvolvimento." Para o professor José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA-USP), "no que se refere ao processo de desenvolvimento, o único economista cujas formulações poderiam ser consideradas comparáveis às de Celso Furtado é o indiano Amartya Sen", vencedor do Nobel. "Foi Furtado quem deu a grande interpretação do Brasil e esclareceu de forma magistral o problema do subdesenvolvimento", diz o diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV, Yoshiaki Nakano.

A presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), Leda Paulani, da FEA-USP, considera Furtado o mais importante economista brasileiro "porque, adotando a perspectiva keynesiana da demanda agregada numa época em que era pouco difundido o conhecimento da teoria de Keynes, construiu uma base para pensar a economia do país da qual até hoje não se pode abrir mão. Mas foi o maior, sobretudo, porque não foi exclusivamente economista, porque pensou o país do ponto de vista da construção de uma nação socialmente homogênea e arrolou as providências que deveriam ter sido tomadas. Pena que não foram seguidas."

Arminio Fraga tem outra visão sobre a influência do pensamento do autor de "Formação Econômica do Brasil". "Apesar da importância e das boas intenções de Celso Furtado, suas idéias cepalinas foram a base de uma escolha equivocada por um modelo de economia fechada e Estado superdimensionado, que teve como conseqüência baixo crescimento e distribuição de renda desigual no Brasil". Mendonça de Barros vê Furtado mais como "um historiador e filósofo do que como um economista".

O professor Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, diz que a importância maior de Furtado "se define pela capacidade de criação de uma escola de pensamento, situação que só encontra paralelo na América Latina no caso de Raul Prebisch. A teoria do subdesenvolvimento que Furtado propôs, como uma forma de integração na economia internacional, mais que um 'estágio' numa suposta linha comum de evolução que marcaria todas as economias, como se supunha na visão convencional, permanece como uma hipótese válida e, principalmente, aglutinadora até o presente".