Título: Ferrovias levam simuladores de tráfego e software para os trilhos
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2007, Empresas, p. B1

A velocidade não mudou muito. Desde meados do século XIX, quando as primeiras locomotivas começaram a cruzar os trilhos do país, trens de carga seguem a mesma toada preguiçosa de seus 30 quilômetros por hora, 35 no máximo, um ritmo bem diferente daquele que tomou conta da área de informática dessas empresas nos últimos anos.

A tecnologia embarcou de vez nos vagões das principais empresas do país. De meros sistemas usados para fins administrativos, a informática saiu dos centros de processamento de dados para atuar nas bitolas, nos trilhos, ajudando empresas a reduzir custos de manutenção e combustível, controlar o desempenho de trens e minimizar acidentes. "A TI é hoje um dos principais meios que temos para melhorar nosso desempenho", diz o diretor executivo de logística da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Eduardo Bartolomeo.

A Vale fez as contas. A empresa controla 9,8 mil quilômetros de malha ferroviária no país. Nos últimos anos, investiu no desenvolvimento de um computador de bordo para as locomotivas. Outro sistema foi acoplado aos vagões para indicar ao maquinista a "condição ótima" do trem. No trajeto, o computador calcula fatores como o peso da carga, o trecho da linha e sua inclinação para indicar ao maquinista a aceleração mais adequada, freio etc. Resultado: nos últimos dois anos, a Vale deixou de queimar 40 milhões de litros de diesel.

O cenário não é diferente na MRS Logística, companhia que tem 14 mil vagões e 500 locomotivas em atividade. Sensores vêm sendo instalados próximos às rodas dos vagões, conta o diretor de disponibilização de ativos da empresa, Luiz Cláudio Torelli. Se qualquer eixo do vagão emite um ruído fora do comum ao passar por determinada trajeto, a informação é captada pelo sensor e enviada a um sistema central, que aponta exatamente onde está o problema e qual o reparo necessário. "Ações desse tipo têm nos ajudado a reduzir custos de manutenção", comenta. "Somo preventivos, agimos antes do problema."

Por ano, a MRS chega a gastar R$ 1 bilhão em manutenção para manter seus trens sobre os trilhos. Recentemente, diz Torelli, a companhia fechou um contrato com a Oracle, que vai instalar na empresa um software de gestão até então usado só pela aviação comercial. Com o sistema, a MRS vai colher dados em tempo real para reduzir o tempo de parada dos trens, as falhas de locomotivas, trilhos e sinalização. "Com o uso desses sistemas vamos reduzir nosso custo de manutenção em 7%."

A atenção que as companhias ferroviárias passaram a dar para a área de informática reflete nos orçamentos destinados ao setor. Neste ano, a MRS vai gastar R$ 30 milhões com TI. Mais agressiva ainda é a Vale, que detém as malhas da Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória a Minas e a Ferrovia Centro Atlântica. No início deste ano, a CVRD reservou US$ 100 milhões para investir em tecnologia até 2009. Os recursos já vem sendo aplicados. Em sua base de São Luís do Maranhão, a empresa acabou de instalar um simulador para treino, como os usados por pilotos de avião. Dentro de um cockpit, o maquinista pode "viajar" por um trilho virtual, que representa situações comuns no dia-a-dia das locomotivas.

A virtualização também tem ajudado a América Latina Logística (ALL) a administrar aquela que é uma das áreas mais complexas de uma companhia ferroviária: seu pátio logístico. Um sistema desenvolvido pela empresa permite que o funcionário responsável pelo pátio visualize seu espaço de forma gráfica no computador. Com o mouse, o operador faz as simulações para procurar a melhor adequação dos diferentes vagões e materiais que terá de armazenar.

Com o desenvolvimento interno de sistemas, a ALL já chegou a importar tecnologia, conta a gerente de projetos de tecnologia da ALL, Thaís Falqueto. Em 2001, Thaís chegou à ALL para trabalhar com a equipe de desenvolvimento do Translogic, um software que tinha como propósito aprimorar a gestão de dados operacionais da empresa. Em 2002 o Translogic já estava em uso, sendo importado para ferrovias da África do Sul.

De lá para cá, o sistema foi atualizado e integrado ao software de gestão da SAP. Tudo o que acontece na empresa, desde o terminal de cargas até a entrega do material, é acompanhado via web pelo sistema, que foi integrado ao software da fabricante SAP. A integração também já envolve as operações da Brasil Ferrovias, que a ALL comprou no ano passado, uma negociação de R$ 3 bilhões.

Neste ano, a ALL quer investir R$ 14 milhões em projetos de TI. A prioridade, diz Thaís, são os novos computadores de bordo que a companhia acaba de instalar. Pela tela instalada na locomotiva, o maquinista visualiza a via à sua frente, em três dimensões. "Pelo computador, ele recebe informações sobre eventuais problemas que possa haver na via, e consegue tomar decisões com mais tempo."

Em 1997, empresas privadas assumiram os 28 mil quilômetros de vias antes controlados pela estatal Rede Ferroviária Federal (RFFSA), mas a informática só começou a ganhar força dentro do setor nos últimos três anos, diz o diretor da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça. "Nesse dez anos que se passaram a preocupação foi recuperar a malha", comenta. "Hoje o assunto é manutenção preventiva e redução de incidentes, questões que passam pela TI."

Na Estrada de Ferro Vitória a Minas, maquinista e trem de carga seguem tranqüilos, cortando montanhas a 30 quilômetros por hora. Nos vagões, as milhares de toneladas de minério. Pouca se nota que levam também dezenas de chips de transmissão de dados por radiofreqüência (RFID), computador de bordo, sensores de áudio, conexão à internet sem fio, controle remoto e piloto automático.