Título: CVM defende meio de aprimorar 'tag along'
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2007, Empresas, p. B3

O mercado de capitais mudou muito no Brasil e no mundo, leis foram criadas, reformadas e debatidas. Lá se vão 31 anos desde a Lei das Sociedades por Ações. O cenário parece ser completamente diverso e evoluído, mas é o mesmo tema que ainda inflama discussões entre juristas, advogados, autoridades e investidores: o direito dos minoritários em casos de troca de controle de companhias, o famigerado "tag along".

Trata-se da oferta pública para compra das ações dos investidores fora do bloco controlador de uma empresa listada em bolsa, adquirida por outra. O objetivo desse benefício é permitir que os demais acionistas de uma companhia participem do chamado prêmio de controle em casos de negociações.

A primeira aparição pública de Maria Helena Santana, a nova presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi marcada por um surpreendente comentário sobre a necessidade de reformulação da Lei das S.A. quanto a esse ponto, alvo de muitas polêmicas recentes. Na opinião da nova xerife, a legislação atual não atende às demandas do novo ambiente das companhias abertas do país.

Maria Helena foi além. Sugeriu que fosse adotada uma nova regra sobre o tema no Novo Mercado da Bovespa. "Agora que eu não estou mais na bolsa posso fazer sugestões aqui de fora", afirmou ela, uma das criadoras do espaço especial de negociação da Bovespa, durante debate realizado ontem pela revista "Capital Aberto", a respeito da legislação societária brasileira.

A proposta visa a adequação ao cenário de crescente presença de empresas de capital pulverizado na bolsa, ou seja, sem a figura do controlador. A idéia é seguir o modelo regulatório da Europa. Lá, a aquisição de 30% das ações de uma empresa, seja por um investidor pessoa física, um fundo de investimento, ou mesmo uma outra companhia, dispara a necessidade de uma oferta a todos os demais acionistas.

Tal medida significaria a mudança do atual modelo de oferta obrigatória por venda de controle para um de compra, como é o europeu. A Lei das S.A. vigente garante o "tag along" aos minoritários - apenas para os detentores de ações ordinárias e na proporção de 80% do valor recebido pelo sócio majoritário - só em caso de alienação do controle. Maria Helena chamou atenção para o problema do modelo de hoje: na empresa em que não existe controlador, não há como alienar o controle.

O tema vem sendo muito debatido nos últimos tempos. Transações recentes com empresas de controle consorciado ou compartilhado levantaram discussão e, novamente, movimentaram, acionistas, advogados e autoridades.

A entrada da rede francesa Casino no capital de controle do Pão de Açúcar e a aquisição indireta da Copesul, pela Braskem, levaram o debate ao colegiado da CVM. A autarquia, até hoje, manteve uma postura de que a necessidade ou não de oferta aos minoritários deve ser avaliada caso a caso. Por isso, há um parecer sobre Pão de Açúcar e também um para Copesul.

Há ainda outras transações iminentes sobre as quais o mercado tem sérias dúvidas sobre o "tag along", como a definição do controlador da Vivo, hoje dividido entre Portugal Telecom e Telefónica, bem como as conversas em torno da Brasil Telecom e da Oi, nas quais há sobreposição de um grupo de acionistas importante.

Maria Helena afirmou que o ajuste na lei nesse ponto seria "fundamental". A avaliação dela é de que as regras atuais não oferecem segurança aos investidores, pela dificuldade de se prever a aplicação. "A CVM tem que se preocupar muito com a segurança jurídica. Quanto menos necessidade de interpretação da lei houver, melhor."

Para a nova presidente do órgão regulador do mercado de capitais, a obrigatoriedade de uma oferta pública para aquele que adquirir 30% de uma companhia no Novo Mercado permitiria o acúmulo de experiência para uma eventual proposição de reforma de lei. Entretanto, ela enfatizou ao Valor, que não tem qualquer intenção de pedir oficialmente uma revisão da legislação. "Podemos sempre pensar nisso. Mas, nesse momento, não estamos pensando."

Quando surgiram, o Novo Mercado e os níveis especiais da Bovespa representavam um avanço diante da legislação. O espaço foi lançado antes da reforma da Lei das S.A. de 2001, que devolveu o "tag along" ao mercado brasileiro - na proporção de 80% e somente para as ações ordinárias.

O ambiente privado criado pela Bovespa já assegurava o direito da oferta aos minoritários em 100% para as ordinárias do Nível 2 e do Novo Mercado. No Nível 2, que permite a listagem de empresas com ações preferenciais, esses papéis têm direito à oferta de 80%.

Presente na platéia do evento na manhã de ontem e chamado ao debate, o herdeiro do cargo de Maria Helena, João Batista Fraga, superintendente de relações com empresas da Bovespa, pouco falou sobre o tema, mas deixou a porta aberta. "Estamos atentos às demandas do mercado. Agora, o que vamos fazer e quando vamos fazer, não podemos comentar", afirmou ele, ressaltando estar em período de silêncio pelo fato de a bolsa ter contrato com as instituições financeiras que farão a listagem de suas ações em seu próprio ambiente.

Fraga alertou, porém, que qualquer mudança nas regras do Novo Mercado precisa antes passar pelo crivo das 80 companhias nele listadas. Há outras 15 empresas no Nível 2. Elas participam do conselho deliberativo que define as regras do espaço. "Seria preciso um longo debate."