Título: A MP nº 232: com recibo ou sem recibo?
Autor: Vinicius Branco
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Com recibo ou sem recibo?" Certamente, são poucos os que nunca ouviram essa pergunta no passado, geralmente feita por médicos, dentistas, psicólogos, professores e demais profissionais liberais, cuja remuneração corresponda a uma despesa dedutível no Imposto de Renda dos seus clientes. É inegável, contudo, que, de algum tempo para cá, essa pergunta vinha sendo feita com menos freqüência. Uma das principais razões que levaram à redução da evasão fiscal nesse ramo de atividade foi a instituição da figura do lucro presumido, que estimulou a associação entre profissionais liberais mediante a constituição de pessoas jurídicas prestadoras de serviço tributadas com base nesse regime tributário. De fato, a referida associação proporcionava, na maioria dos casos, uma sensível economia fiscal aos respectivos sócios se comparada à carga fiscal que seria suportada pelo profissional que prestasse serviços em nome próprio, além de mostrar-se extremamente simples se comparada a outras modalidades de tributação, dispensando, inclusive, a escrituração contábil, à exceção do livro diário. Essa economia de imposto atribuída às sociedades tributadas com base no regime do lucro presumido aumentava à medida que aumentasse também a sua margem de lucro, pois, para efeitos tributários - particularmente de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) - importam apenas as receitas auferidas, sendo irrelevantes, para fins de apuração do tributo devido, as despesas incorridas pela sociedade que optar por esse regime. O ponto de equilíbrio a ser considerado para fins de opção do regime é, hoje, uma margem de lucro que exceda a 32% do faturamento da empresa. Ou seja, em princípio, sempre que a lucratividade da sociedade for superior a esse percentual, vale a pena optar pelo regime do lucro presumido, pois o valor das despesas incorridas - ainda que totalmente dedutíveis - seria insuficiente para tornar atrativa a tributação pelo lucro real. No entanto, a comparação entre a carga tributária dessas empresas após o advento das recentes alterações promovidas pela Medida Provisória nº 232, de 2004, com aquela que prevalecia em 1996 demonstra que essas sociedades sofreram, ao apagar das luzes em 2004, um abusivo aumento de carga fiscal, passando de 9,61% do faturamento para 17,25%. Por conta dessas modificações, a margem de lucro mínima a ser considerada para fins de exame da conveniência da opção pelo regime do lucro presumido passa a ser de 40%.

Uma das razões que levaram à redução da evasão fiscal foi a instituição da figura do lucro presumido

Esse aumento exagerado - justificado pela Receita Federal como uma compensação pela perda de arrecadação provocada pelo reajuste da tabela progressiva do Imposto de Renda das Pessoas Físicas e de algumas deduções e abatimentos - mostra-se pouco inteligente, para se dizer o mínimo, e deve provocar efeito totalmente contrário aos interesses do próprio governo federal, quais sejam, o de aumentar o universo dos contribuintes e reduzir a sonegação fiscal. De fato, se computadas as demais taxas e contribuições devidas pelas pessoas jurídicas, sobretudo aquelas calculadas com base na folha de salários, e considerados também os custos administrativos inerentes à manutenção da empresa, a carga efetiva das sociedades tributadas com base no lucro presumido deve ficar muito próxima daquela suportada pela pessoa física, deixando de justificar a associação entre profissionais liberais e afetando um setor extremamente importante para a economia, que emprega, investe em treinamento, em pesquisa e em capacitação técnica, produzindo riquezas tão importantes para o país. Só se pode lamentar a falta de visão dos técnicos responsáveis por essa precipitada medida, de cunho nitidamente imediatista, e que no frigir dos ovos produz o único efeito de despir um santo para vestir outro. Lamentável também a falta de criatividade do Poder Executivo, que mais uma vez não hesita em colocar o peso da carga fiscal sobre os ombros da classe média, escolhida como alvo predileto das investidas no campo tributário. Some-se a isso o tratamento fiscal discriminatório conferido às empresas tributadas com base no lucro presumido, que as impede de optar pelo regime da não-cumulatividade das contribuições para o PIS e a Cofins, além de impor tributação mais gravosa de suas receitas financeiras para afastar de vez qualquer estímulo à associação de profissionais liberais interessados em desenvolver suas atividades de forma organizada e pagar seus tributos dentro do que se considera suportável. Resumindo, em que pese o fato dessa majoração de carga tributária estar prevista em norma cuja legalidade e constitucionalidade são indiscutíveis, soa estranho que o governo federal, após apontar a alternativa do lucro presumido como meio eficiente de alargamento da base de contribuintes e da arrecadação tributária, volte-se contra um instituto que ele mesmo criou, revelando-se um verdadeiro aprendiz de feiticeiro. Mantidas as atuais regras, e não havendo reação por parte do Poder Legislativo, não vai demorar muito e vamos ter de voltar a ouvir a velha ladainha: "Com recibo ou sem recibo?"