Título: Luz vermelha nas contas do INSS
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Brasil, p. A2

O déficit de cerca de R$ 32 bilhões nas contas da Previdência e Assistência Social em 2004 - bem acima dos R$ 29 bilhões estimados inicialmente, mesmo com um aumento real de 10,8% na arrecadação das contribuições e com as duas reformas constitucionais, a de 1998 e a de 2003 - reacendeu as preocupações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com esse tema. Um assessor direto do presidente comentou que Lula está muito preocupado com o aumento do déficit na seguridade social mesmo depois do elevado custo político que teve que pagar para aprovar a emenda constitucional 41. E convencido de que são esses problemas que inviabilizam o aumento do investimento público. Para 2005, a expectativa é de que o déficit seja de R$ 30,2 bilhões. A despeito disso, porém, não consta da agenda do governo nem a retomada das discussões e votação da proposta de emenda constitucional conhecida como "PEC paralela", nem de qualquer iniciativa do tipo "uma terceira geração de reformas da Previdência". Assim como ficou para um futuro incerto a mudança da cobrança das contribuições patronais, ainda que parcialmente, da folha de salários, como é hoje, para o faturamento das empresas. O ministro da Previdência e Assistência Social, Amir Lando diz que a reforma, agora, é na gestão, onde ele pretende impor um "choque" de eficiência. Não caberá a este governo, observa ele, propor redução dos benefícios ou aumento das receitas. Depois de muita conversa com técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e com Banco Mundial, o governo conseguiu convencer ambos os organismos internacionais de que, agora, é a hora de arrecadar e consumir direito e ter a exata noção de qual é o "buraco" da Previdência no Brasil. E pediu assistência técnica do Banco Mundial para isso. O ministro avalia que as fraudes subtraem dos cofres da seguridade social algumas "dezenas de bilhões". Ele cita alguns exemplos do que é esse trabalho de "choque de gestão". Numa análise de uma amostragem de 20 mil casos de mortes, segundo dados colhidos junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), 11 mil casos foram excluídos dos pagamentos de aposentadoria por constatação efetiva de morte; mas 9 mil ainda permaneceram, podendo ter, nesse universo, homônimos ou alguma explicação de outra natureza. Estudo preliminar do ministério aponta pelo menos 18 incongruências envolvendo mais de 1 milhão de pagamentos de benefícios aparentemente indevidos. Coisas do tipo aposentadorias por "hanseníase" em regiões onde a doença não existe; pagamento simultâneo de auxílio-doença e aposentadoria para uma mesma pessoa; pagamento de pensão por morte sendo que o morto ainda recebe aposentadoria.

"Choque de gestão" coibiria fraudes

Para efetuar uma variedade de cruzamento de dados, o governo está usando a base de informações da justiça eleitoral - quem saiu da lista de eleitores por óbito não pode, evidentemente, estar recebendo benefícios previdenciários. O cruzamento de informações envolve ainda a base de dados dos bancos, da Receita Federal, do Incra. Para que esse trabalho possa ser bem-feito, ele está aparelhando o ministério com a criação da assessoria de gerenciamento de riscos e da Secretaria de Receitas Previdenciárias, entre outras. Lando explica, também, que o déficit de 2004 ficou cerca de R$ 3 bilhões acima do imaginado originalmente, por causa das decisões judiciais decorrentes do "esqueleto" advindo da não correção dos benefícios de março de 1994 a fevereiro de 1997, pelo Índice de Reajuste do Salário Mínimo. A dívida contraída pelo governo em função do não cumprimento desse índice foi estimada em de R$ 12,3 bilhões. Desses, em 2004, a Justiça mandou pagar cerca de R$ 3,9 bilhões, embora a provisão no orçamento da Previdência fosse de apenas R$ 1 bilhão. O ministro acredita, porém, que a conta desse "esqueleto" acabará sendo inferior aos R$ 12,3 bilhões previstos, porque a adesão ao acordo proposto pelo governo já envolveu quase 500 mil aposentados com direito à correção. O ex-ministro da Previdência, José Cechin, que hoje trabalha na Aggrego Consultores, tem uma visão diferente das contas da Previdência em 2004 e cita uma série de mudanças que ocorreram no ano passado que as tornam incomparáveis com o déficit de R$ 26,4 bilhões de 2003. Em março do ano passado, uma resolução oficial determinou que o provisionamento aos bancos para o pagamento dos benefícios seria feito no dia e não na véspera do pagamento. O que representou um ganho contábil para o governo de cerca de R$ 1 bilhão no ano. Também em 2004 os gastos para o pagamento da renda mensal vitalícia a cerca de 600 mil pessoas passou a ser da conta do Tesouro Nacional e não mais do INSS. Isso retirou uma despesa do orçamento da seguridade de aproximadamente R$ 1,8 bilhão. Com o aumento do teto dos benefícios, os contribuintes passaram a pagar mais, dando uma receita adicional de uns R$ 1,8 bilhão aos cofres da previdência que não existia em 2003. Portanto, para ser comparável ao "rombo" de R$ 26,4 bilhões em 2003, a conta para 2004 teria que ser os R$ 32 bilhões adicionados a mais R$ 4,6 bilhões, ou seja, R$ 36,6 bilhões. Assim, confirmada a correção dos cálculos de Cechin, entre 2003 e 2004 houve um aumento no "buraco" da previdência de R$ 10,2 bilhões, o que é mesmo preocupante. Em 2004, calcula Cechin, os gastos com aposentadorias e pensões representaram 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos anos 60, esse percentual era de apenas 2,5%. Não é preciso ser um especialista no assunto para perceber que essa curva traz um problema, principalmente levando em conta que hoje 8,6% dos brasileiros têm mais de 60 anos. Segundo dados do IBGE, em 40 anos 24% da população terá idade superior a 60 anos. Duas reformas - as de 1998 e a de 2003 - ajudaram um pouco a melhorar a situação do déficit. Um "choque de gestão", como apregoa Amir Lando, é absolutamente necessário para coibir as fraudes. O crescimento da economia e da massa salarial será de grande ajuda. Mas o equacionamento, de fato, das contas previdenciárias ainda está distante.