Título: Uma mistura indigesta na política econômica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Opinião, p. A8

Enquanto o Banco Central tomava a decisão de elevar mais uma vez a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual - para 18,25% - o Tesouro anunciava que a dívida pública mobiliária fechou 2004 com um crescimento de 11% e a Receita Federal apresentava os números de um novo recorde da arrecadação, que evoluiu 10,6% reais no mesmo ano. Há várias ilações ruins a se tirar desse conjunto de dados. Para as empresas e os consumidores, a combinação é indigesta - as maiores taxas reais de juros do mundo estão vindo juntamente com um aumento da carga de tributos. Para o governo, a carga de juros ampliou seu endividamento no mesmo ano em que ele obteve um superávit fiscal recorde. Não há dúvidas que, a médio prazo, a receita que produziu esses resultados é inviável. O Comitê de Política Monetária jogou os juros reais para a casa dos 12%, o mesmo patamar de outubro de 2003, em busca de uma meta de inflação de 5,1%. O mantra para a decisão é o mesmo - as expectativas de inflação definidas pelo mercado ainda estariam longe dos objetivos perseguidos. Cálculos feitos com os mesmos modelos do BC indicam que com a Selic a 17,75% a inflação caminharia para os 5,3%. Mas o mercado se espelha no BC e acha que só com juros maiores a manutenção das metas estará assegurada. Existem fatores no horizonte que permitiam uma interrupção da alta dos juros. O índice de atacado do IGP-10 registrou importante queda. A produção industrial mostrou em novembro um recuo e se mantém estável desde setembro. As vendas do varejo estão seguindo a mesma tendência e apontaram para baixo em novembro. Dados do Iedi revelaram que a indústria brasileira teve índice de produtividade recorde, o maior desde 1998. A taxa de câmbio não se move, apesar de uma aceleração das compras de dólar pelo BC para a recomposição das reservas. Possivelmente, o BC levou em conta o resultado do IPCA de dezembro, acima do esperado, de 0,86%. Um olhar sobre o desempenho da inflação em 2004 indica que itens que são excluídos do núcleo de inflação do IPCA, como alimentos, salvaram as metas em 2004 - subiram 3,86%, abaixo dos 7,6% do IPCA cheio do ano. Os preços administrados deram o tom entre os setores que apresentaram a maior variação de preços: comunicação (13,91%) e transportes (10,99%). Eles tiveram um impacto final de 38,7%, ou 2,94 ponto percentual, no índice. Para 2005, a situação piora consideravelmente - os administrados já carregam um inflação de 3,5% decorrente da elevação dos IGPs muito acima do IPCA no ano passado. A alta de commodities industriais com preços determinados pelo mercado externo foi responsável por outra grande fatia da inflação. O impacto das elevações de juros sobre a dívida pública desde setembro atinge R$ 10 bilhões até agora. Em 2004 a dívida mobiliária cresceu 11% porque os juros foram cadentes até setembro e o Tesouro resgatou R$ 45,7 bilhões a mais do que emitiu. O déficit nominal, que inclui a conta de juros chegou a 2,9%, um dos mais baixos da história. Este ano, porém, as coisas serão diferentes. É muito provável que o déficit nominal ultrapasse os 3%, e equiparar-se aos países europeus que vivem sob o tratado de Maastricht volte a ser uma miragem. Os juros estão em alta há cinco meses e a expectativa do mercado é de uma nova alta em fevereiro. Mesmo que o ciclo de alta seja interrompido, o Copom já avisou em sua ata que ele terá de se manter nesse nível elevado por um bom tempo, isto é, até o início do segundo semestre. Ou seja, a curva será o inverso da de 2004. E com um perfil muito pior - 46,1% da dívida mobiliária vence agora em menos de um ano, contra uma meta entre 30% a 35% fixada pelo Tesouro. Apenas uma carga tributária cavalar como a atual é capaz da proeza de sustentar o peso combinado de juros muito altas, aumento significativo das despesas correntes da União, ampliação do déficit da Previdência e um superávit primário recorde de 4,5%. As mudanças na Cofins foram importantes para que a Receita chegasse ao recorde de R$ 300,5 bilhões - a receita da contribuição responde por um quarto do total do bolo, ou R$ 76,6 bilhões. Além de desacelerar a economia, juros em alta vão emparedar o governo em breve. Para manter superávit fiscal alto, ele terá de cortar de verdade as despesas, ou aumentar os impostos ainda mais, o que é pouco factível. As políticas tributária, fiscal e monetária, em seu conjunto, são determinadas pela Fazenda e não pelo BC. Para o Brasil ter um crescimento sustentável elas precisariam estar apontando para a direção contrária - redução dos juros, corte de gastos e diminuição da carga tributária.