Título: Fórmulas para prever desastres
Autor: John Kay
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Opinião, p. A9

Ouvi a palavra tsunami pela primeira vez de um colega interessado no funcionamento das estatísticas extremas. Ele se perguntava por que há mais catástrofes do que o necessário no mundo. À primeira vista, a pergunta parece tola. Um desastre como o da onda gigante do Oceano Índico é um desastre supérfluo. Os estudiosos de estatísticas extremas, porém, perguntam por que há mais eventos catastróficos do que seria coerente com as teorias correntes sobre o modo de funcionamento do mundo. Nossas expectativas de eventos difíceis de prever - terremotos, crises financeiras, convulsões políticas - estão fundadas nas teorias clássicas de probabilidade e estatística, desenvolvidas nos séculos 18 e 19. Elas usam modelos matemáticos simples para fazer generalizações sobre o mundo. Na Universidade de Estrasburgo, o professor Ladislaus Bortkiewicz, que não sabia nada sobre cavalos ou treinamento militar, previu a incidência de mortes por coices de cavalos entre os cadetes prussianos. Um empregado da Guinness (a cervejaria )elaborou a mesma fórmula para explicar a fermentação da cerveja preta. Essas mesmas equações também foram indispensáveis quando os engenheiros de telefonia calcularam quantas centrais telefônicas deviam instalar. A sensação de espanto que senti ao me inteirar da variedade dessas complexidades jamais me abandonou. A distribuição de rendas familiares possui propriedades matemáticas semelhantes às da distribuição da longevidade humana. E Myron Scholes ganhou o Prêmio Nobel de Economia por descobrir que as equações necessárias para estabelecer o valor dos complexos títulos derivativos também descrevem como os sais de banho se dispersam na banheira. A amplitude e os êxitos dessas teorias são tão extensos, que é um choque quando elas não funcionam. O mercado acionário raramente oscila em mais de 1% ou 2% em um dia. A teoria estatística clássica, portanto, nos diz que a Segunda-feira Negra, de 19 de outubro de 1987, quando os mercados de ações caíram em mais de 20%, não poderia ter acontecido. Em termos de probabilidade, era como ser atingido simultaneamente por um raio, alcançado por um meteorito e abatido pela bala perdida de um rifle. De forma semelhante, há grandes terremotos em demasia, se levarmos em consideração a freqüência dos terremotos de menor intensidade.

A lição do Índico é que nada pode se fazer para controlar as estatísticas extremas, mas muito pode ser feito para evitar as conseqüências

São necessários, portanto, modelos diferentes. Nas distribuições estatísticas clássicas, os eventos combinados são independentes uns dos outros. A teoria do professor Bortkiewicz funcionou porque cavalos indisciplinados eram raros no exército prussiano. Chefes de família tomam decisões independentes para atender ao telefone, e as decisões individualmente imprevisíveis se tornam previsíveis no conjunto. Se o mal do cavalo doido tivesse se alastrado através da Prússia, porém, Bortkiewicz jamais teria conseguido uma indicação em Berlim. As linhas telefônicas se congestionam quando todos querem pedir a mesma informação, contar as mesmas notícias ou compartilhar a mesma saudação. E esse tipo de cascata de eventos conduziu ao terremoto de Aceh e às ondas do Oceano Índico. As rochas se movimentam constantemente ao longo das linhas de falhas existentes entre as placas tectônicas. Cada movimento provoca um movimento em cada rocha ao redor, que transmite o abalo. Assim sendo, os choques podem ser ampliados muitas vezes: algumas vezes, como em 26 de dezembro, causando um efeito devastador. Os modelos de cascata também têm aplicativos fora da física. Muitos economistas descrevem um mundo de tomadores de decisão racionais e independentes, avidamente assimilando cada nova peça de informação, de forma que, a cada momento, o mercado reflita a destilação de todo o conhecimento disponível. O mundo dos negócios e das finanças, porém, se assemelha mais aos sistemas de falhas nos oceanos, nos quais as rochas que vibram transmitem a sua instabilidade para as demais: cobiça, medo, pânico e desinformação são disseminados como sarampo, ou incêndios florestais, e passam a valer os mesmos modelos que descrevem sarampos, florestas florestais e terremotos. Os processos contagiosos dão origem ao desastre da Segunda-feira Negra e ao fiasco do leilão da tecnologia 3D, ao novo surto econômico e ao sobe-desce do dólar. Talvez seja mais fácil para os indonésios habitantes de aldeias, ao contrário dos racionalistas ocidentais, aceitar que os grandes eventos não possuem causa real, que os pequenos deslizamentos podem se transformar em catástrofes que não podemos prever ou evitar. Mesmo assim, podemos calcular a sua freqüência, observar o seu desenvolvimento e prever onde elas poderão ocorrer com maior probabilidade. A lição do Oceano Índico é que não há nada que se possa fazer para controlar as estatísticas extremas, porém muito pode ser feito para nos imunizarmos das conseqüências. Esta lição é importante tanto para as empresas americanas como para os pescadores indonésios.