Título: Novatas já perdem contratos por causa do câmbio
Autor: Raquel Landim, Sérgio Bueno, Marli Lima, Vanessa J
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Especial, p. A10

Empresas que estrearam no jogo da exportação depois da desvalorização cambial, em 1999, ou até mais recentemente, no início do governo Lula, já estão perdendo clientes e contratos por causa da valorização do real. Os empresários acreditam que a queda nas vendas será maior no segundo semestre caso o dólar siga no patamar de R$ 2,70. O dólar está valendo menos de R$ 3 desde o dia 17 de agosto, caiu abaixo de R$ 2,80 em 12 de novembro e desde então oscila próximo a R$ 2,70. As subsidiárias brasileiras de multinacionais também enfrentam uma queda-de-braço com filiais de outros países por reajustes de preços (ver matéria abaixo). A Cativa, indústria têxtil de médio porte em Pomerode (SC), viu minguar os pedidos de clientes dos Estados Unidos, seu principal mercado no exterior. Gilmar Sprung, presidente da empresa, diz que com o câmbio atual, pode perder tudo o que conquistou até agora. A companhia começou a exportar em 1999, e, em 2003, conseguiu pela primeira vez elevar a participação de vendas externas a 40% do faturamento. Foto: Carol Carquejeiro/ Valor

Lucilene Ribeiro, da Sther: "Reajuste de preços diminuiria a competitividade de nossos produtos"

A empresa tem encomendas de 200 mil peças para os próximos dias, quando o normal para este período seria 1 milhão. "Hoje, se alguém quiser encomenda para fevereiro, eu posso atender", diz. Segundo Sprung, as peças de roupas produzidas pela Cativa estão 30% mais caras do que as chinesas. O gerente comercial da Ferragens Negrão, Carlos Bordoni, recebeu ontem e-mail de um cliente de Cuba que questionava o orçamento apresentado para a exportação de parafusos. O cliente reclamava que o preço era três vezes superior ao de 2003 e pedia uma revisão. Distribuidora de peças de Curitiba com 38 anos, a empresa começou a exportar há dois anos. "A valorização do aço, somada à cotação atual do dólar, têm pesado nos negócios externos", diz Bordoni. A Ferragens Negrão vende para Angola, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Os contratos para fora do país, que somaram US$ 300 mil no ano passado, poderiam ter sido maiores, se a empresa não tivesse perdido para um fabricante colombiano um contrato de US$ 140 mil, referente à compra de facões para plantações de cana-de-açúcar. O preço oferecido pelos colombianos foi 20% menor. Outra empresa que está com dificuldades para manter os preços é a fabricante de fogões Braslar, de São José dos Pinhais (PR). "Começamos com um dólar tentador e, hoje, temos um dólar exterminador", diz o gerente de exportações, Josué Messias. A Braslar faz 400 fogões de quatro bocas por dia e, em março do ano passado, começou os primeiros embarques para a África do Sul. "Estamos ganhando muito pouco", afirma Messias. Outra novata, a Sther, de Jundiaí (SP), do ramo de cosméticos, está alerta para a questão de perda de rentabilidade. Em junho do ano passado, a empresa realizou o primeiro embarque de seus produtos para o exterior. "Acendemos a luz vermelha", conta Lucilene Ribeiro, consultora de comércio exterior da Sther. "Ainda não desistimos de exportar. Caso o dólar caia mais, é possível que a empresa precise reajustar seus preços, o que diminuiria a competitividade de nossos produtos". Os problemas com o câmbio fizeram a primeira baixa no setor moveleiro do Rio Grande do Sul. A Toigo Móveis, de Flores da Cunha (RS), entrou com pedido de autofalência nesta semana, depois de dois anos de aperto financeiro causado pela desvalorização de cerca de 23% na cotação do dólar desde o início de 2003, disse o controlador Ireno Techio. A Toigo já direcionava para o mercado internacional toda sua produção de móveis de madeira maciça para dormitórios e salas. Em 2004, os embarques chegaram a US$ 16 milhões e, com o pedido de falência, 890 funcionários, ou 3,5% da população do município, que fica a uma hora e meia de Porto Alegre, foram dispensados. "Desde 2003, os custos aumentaram 25% ao ano e o máximo de reajuste nos preços foi de 5%", diz Techio. Até meados de 2004, quando o dólar ainda estava ao redor de R$ 3, a Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs) previa que as exportações do Estado atingiriam US$ 300 milhões no ano, ante US$ 184 milhões em 2003. Com a queda do dólar, o desempenho ficou em US$ 280 milhões, informou o presidente da entidade, Ivanor Scotton. Segundo José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), as pequenas e médias empresas são mais afetadas pela variação cambial porque, proporcionalmente, possuem custos de mão-de-obra e matéria-prima maiores que os das grandes. "Nem todas as empresas terão fôlego financeiro para aguentar o prejuízo", diz Castro. Segundo levantamento da AEB com dados do Ministério do Desenvolvimento, 865 empresas começaram a vender seus produtos no exterior em 2004, elevando o total de exportadores brasileiros para 18.608. Mas o número de novos exportadores chegou a ser maior durante o ano. O total de exportadores registrado de janeiro a outubro de 2004 superava em 1.085 empresas o total do mesmo período em 2003. Esse número caiu para 1.025 no período de janeiro a novembro e para 865 no acumulado do ano. Mesmo sem ter a experiência das tradicionais exportadoras, algumas novatas garantem que irão continuar brigando para se manter no mercado externo. A Marisol só partiu para um esforço exportador em 2003. Mas já se queixa de que está vendendo para os EUA sem margem. Ainda assim, a companhia pretende manter o ritmo de exportação. "Investimos para consolidar uma posição. Não podemos mudar de estratégia por questão conjuntural", afirma o presidente da empresa, Vicente Donini. Hoje, o mercado americano responde por um terço das exportações da Marisol.