Título: Cotação pode afetar decisões de investimento
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Especial, p. A10

A manutenção do dólar na casa de R$ 2,70 não deve causar grandes estragos na balança comercial em 2005, mas tende a levar empresas a adiar ou cancelar projetos de investimento ligados ao comércio exterior se a moeda persistir nesse nível por muito tempo. Alguns analistas temem que a valorização do câmbio comece a pôr em risco a mudança estrutural ocorrida na economia brasileira nos últimos dois anos, por meio da qual o país assumiu vocação exportadora. Emilio Garofalo Filho, ex-diretor do Banco Central (BC), e o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), Antônio Corrêa de Lacerda, avaliam que boa parte das empresas ainda trabalha com um câmbio na casa de R$ 3, ou seja, vêem a cotação de R$ 2,70 como transitória.

A questão é que o dólar está abaixo de R$ 2,80 desde 12 de novembro. Com isso, vai se consolidando um nível que afeta a rentabilidade das exportações de alguns setores. Para Lacerda, algumas empresas começam a adiar projetos de investimento, principalmente de manufaturados. No curto prazo, o dólar em R$ 2,70 não atrapalha a balança, diz Garofalo. No primeiro momento, as empresas continuam a exportar mesmo com um câmbio desfavorável, para não perder mercados arduamente conquistados. Para Garofalo, o que pode aumentar rapidamente são importações "oportunistas" de bens de consumo, em que importadores se aproveitam do dólar barato para compras de determinados produtos. Por enquanto, a valorização do câmbio não afetou as exportações de manufaturados. O economista Júlio Callegari, do banco JP Morgan, nota que as vendas externas desses produtos, na série livre de influências sazonais, continuam robustas. Lacerda teme que, mantido o câmbio valorizado por muito tempo, multinacionais possam rever seus planos de usar o país como plataforma de exportações. Países como China, Índia e Rússia não permitiram valorização significativa de suas moedas, lembra o economista. Garofalo acredita que o câmbio poderá se desvalorizar ao longo do ano, mas diz que isso depende de uma ação ainda mais firme do BC na compra de dólares, para recompor reservas, ou de mudanças na legislação cambial, como a permissão para que exportadores fiquem mais tempo com os recursos estrangeiros antes de vendê-los. Se nada disso ocorrer, o dólar tende a seguir na casa de R$ 2,70, o que, para Garofalo, seria um sinal ruim para exportadores. O BC parece satisfeito com o dólar barato. Um câmbio apreciado ajuda na tarefa de atingir a meta inflacionária deste ano, de 5,1%. Estudo da ABN AMRO Asset Management mostra que um dólar a R$ 2,75 traria a inflação para um nível próximo ao da meta, sem provocar grande perda no saldo comercial, que ficaria em US$ 26,65 bilhões em 2005, abaixo dos US$ 33,7 bilhões de 2004, mas ainda um número elevado. Segundo o relatório, a balança é mais sensível ao comércio global do que à taxa de câmbio. Lacerda e Garofalo, porém, insistem em que o problema não é a balança de 2005, mas sim o impacto sobre decisões de investimento de médio e longo prazo, fundamentais para que o país resolva de vez a vulnerabilidade externa e chegue ao tão almejado crescimento sustentado.