Título: Veracel cria divisão para cuidar de sem-terra, índios e ambientalistas
Autor: André Vieira
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Empresas &, p. B5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve chegar hoje a Eunápolis, no sul da Bahia, para uma visita à fábrica da Veracel Celulose, onde está sendo construída a maior linha de produção de celulose do país. A fábrica começará a funcionar daqui a três meses, mas Lula decidiu conhecê-la antes. Os últimos preparativos para a visita do presidente ainda estavam sendo feitos ontem no canteiro de obras. A aparente tranqüilidade, entretanto, era cortada por alguns homens do batalhão de choque da polícia militar, que circulam pela fábrica. Há dez dias, parte de um dos alojamentos construídos para abrigar algumas centenas dos milhares de operários que constroem a fábrica foi queimado. A culpa foi atribuída a uma disputa entre a Força Sindical e a CUT pelo poder do sindicato local em meio à negociação salarial dos operários. Os policiais estão a postos para preservar a segurança da fábrica sob a ameaça de muita barulheira durante a visita do presidente. Carente de investimentos e empregos, a região do sul da Bahia onde se localiza a fábrica da Veracel tornou-se um ímã de pressões de sindicatos, MST, ambientalistas e até grupos indígenas - um caldeirão que fez a empresa criar gerências específicas para lidar com as situações que ultrapassassem os limites físicos da obra. A empresa instituiu uma gerência de sustentabilidade, que coordena outras três carreiras: uma gerência de relações institucionais, uma de meio-ambiente e outra de comunidade. "Desde o início, sentimos a necessidade de reforçar essa atuação como parte da responsabilidade da empresa", diz o diretor-presidente da Veracel, Vitor Costa, que trabalhou por mais de 20 anos na área de celulose da Vale do Rio Doce. Décadas atrás, a região onde está a base florestal da Veracel era formada por grandes latifúndios pouco habitados que eram usados para a criação de gado. O grupo Odebrecht comprou terras e começou o plantio de eucaliptos no início dos anos 90, mas vendeu sua participação anos depois. A Aracruz, um dos maiores exportadores de celulose do mundo, e o grupo sueco-finlandês Stora Enso, maior produtor europeu de papel, lideram o projeto. As obras da fábrica, que começaram no fim de 2003 e atraíram milhares de trabalhadores para a região, empregaram 15 mil pessoas no seu auge - hoje, com mais de 80% da construção concluída, ainda há cerca de 6 mil pessoas trabalhando. A fábrica se localiza na divisa entre Eunápolis e Belmonte, mas a base florestal se estende a outros sete municípios. A polícia está de prontidão também com uma possibilidade de nova manifestação do MST. O movimento já havia dado dor-de-cabeça aos executivos da companhia quando ocuparam uma área de plantio, destruindo parte dos eucaliptos para montar um acampamento. A empresa diz que ofereceu aos sem-terra a possibilidade de comprar a produção de feijão e outras culturas para abastecer a cantina da fábrica enquanto os operários estivessem construindo a fábrica. "Ai veio a orientação do MST nacional de não aceitar a proposta", diz Costa. Quando uma nova invasão do MST nas terras da Veracel tomou conta das manchetes dos jornais, os sócios foram ao governo federal e disseram que a ocupação prejudicava a imagem do Brasil no exterior na atração de investimentos estrangeiros - até então, o projeto de US$ 1,25 bilhão era o maior em volume de investimentos da era Lula. Pressionados, os sem-terras deixaram a área, mas ainda estão próximos ao local da invasão. De acordo com Costa, a intenção da empresa é construir uma agenda positiva com o movimento. "Temos tentado contato com o MST por meio da Igreja, organizações não-governamentais, entidades civis, mas não temos nenhuma resposta." A companhia, diz Costa, continua se prontificando a comprar bens produzidos pelo MST mesmo com o fim das obras. "Eu sou um mercado para o MST e posso garantir a compra de produtos", afirma o executivo. Como grandes empresas que exploram atividades naturais, a Veracel também sofreu pressão dos ambientalistas. Eles acusam a companhia de incentivar a monocultura do eucalipto, limitando outras formas de sustento familiar e prejudicando o solo, além de expulsarem pequenos agricultores da região. Na época em que parte do financiamento do projeto estava para ser aprovado pelos bancos europeus de investimentos, os ambientalistas viajaram para o exterior para lutar contra a Veracel, mas não tiveram êxito. As articulações dos ambientalistas na Europa têm sido neutralizadas pela ação da Stora Enso junto aos formadores de opinião. Para rebater reclamações das organizações não-governamentais, a Veracel gosta de promover o projeto Estação Veracruz, uma área de 6 mil hectares que forma a maior reserva particular de Mata Atlântica do país. A empresa também se orgulha do trabalho de recuperação de áreas degradadas, reconstituindo 400 hectares de flora nativa por ano. A Veracel possui 150 mil hectares de fazendas, mas planta eucaliptos em pouco menos de 70 mil hectares, preservando mais de 45% da área total. Por lei, a reserva deve ter no mínimo de 20% da área total. "Poderíamos ultrapassar esse limite, mas temos alguns compromissos de plantar apenas nos platôs em áreas onde antes havia pastos", diz Costa. A empresa está em busca de certificações pelas boas práticas do manejo florestal. Além dos problemas enfrentados com os sindicatos, MST e ambientalistas, até uma disputa indígena afeta a empresa. A Veracel apareceu no meio de uma reivindicação de terras por parte de comunidades indígenas que exigem o reconhecimento de uma reserva maior que a atualmente existente. Dos 36 mil hectares exigidos, 2 mil hectares fazem parte das florestas da Veracel. Como forma de protesto, os índios atearam fogo em carregamentos de madeira. A demarcação das terras está sendo feita pela Funai, mas a intenção da empresa é obedecer o trabalho dos técnicos. No mês passado, a companhia assinou um convênio para a construção de moradias para os índios.