Título: Superávit em conta corrente em 2004 é o maior desde 1947
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Finanças, p. C1

O país fechou 2004 com um superávit em conta corrente equivalente a 1,94% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior já observado desde 1947, quando a autoridade monetária começou a compilar a atual série estatística do balanço de pagamentos. Em dólares, o superávit soma US$ 11,669 bilhões. Até então, o mais alto resultado anual havia sido registrado em 1992, com 1,58% do PIB, ou US$ 6,109 bilhões. O chefe-adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, Luiz Sampaio Malan, argumenta que o dado atual é ainda mais expressivo porque foi obtido em um cenário de retomada do crescimento - estimado em 5% para 2004. "Em 1992, o saldo foi obtido em um contexto recessivo", afirmou. Naquele ano, a economia encolheu 0,54%. O aspecto positivo do alto superávit é que o Brasil amortizou parte da sua dívida externa, reduzindo a vulnerabilidade da economia. O setor privado, por exemplo, pagou 35% das dívidas vencidas em 2004. Os dados divulgados pelo BC mostram que em 2004, até outubro, a dívida total caiu US$ 11,726 bilhões, chegando a US$ 203,204 bilhões. O saldo em conta corrente também abriu espaço para que avançasse o programa do BC para a recompor as reservas internacionais. A autoridade monetária comprou US$ 5,274 bilhões em mercado, o que fez as reservas líquidas (excluem empréstimos do FMI) subirem de US$ 17,369 bilhões para US$ 25,321 bilhões entre 2003 e 2004. O BC divulgou vários indicadores externos que sofreram melhora, em decorrência principalmente do superávit em conta corrente. É o caso da relação entre dívida total e PIB, que caiu de 42,4% para 34,9% de dezembro de 2003 a setembro de 2004. Outro indicador relevante - reservas sobre dívida de curto prazo - subiu de 82,9% para 91,1%. A crítica recorrente aos altos superávits é que, por definição, eles significam que o país está exportando capitais - ou seja, abrindo mão de recursos que poderiam financiar investimentos necessários ao aumento do PIB. Os investimentos em uma economia equivalem à soma da poupança do setor privado, pública (superávit fiscal) e externa (déficit em conta corrente). O cenário de altos superávits em conta corrente não é considerado o ideal pela atual diretoria do BC. A autoridade monetária contempla uma suave mudança neste ano - a projeção oficial do balanço de pagamentos é um superávit zero. Isso significa que o país deixará de exportar capitais ao exterior; mas, de outro lado, também não irá recorrer à poupança externa para financiar o crescimento, como ocorreu durante o período Gustavo Franco (de 1994 a 1998), quando o déficit chegou a 5% do PIB. O equilíbrio em conta corrente não significará, porém, que o país deixará de amortizar a dívida externa. Isso será possível graças aos capitais que entram sob a forma de investimentos diretos. Para 2005, são esperadas inversões da ordem de 2,34% do PIB, ligeiramente inferiores aos 3,02% do PIB obtidos no ano passado. Mas a queda do endividamento será mais modesta que em 2004. Atualmente, não há uma estratégia única dos países emergentes em relação aos resultados em conta corrente. Estimativas do JP Morgan compiladas pelo BC mostram que um grupo de países terá superávits maiores que o Brasil em 2004: Rússia (9,2% do PIB), Taiwan (7,9% do PIB), Tailândia (5,1%) e Coréia (3,8%). No mesmo patamar que o Brasil estão China (1,8%), Chile (2,4%) e Argentina (1,2%). São registrados déficits moderados no México (1%) e Polônia (1,5%). O único país com déficit comparável aos que o Brasil atingiu na época de Franco é a Turquia, com 4,8%. Edward Amadeo, da Tendências Consultoria, pondera que o superávit em conta corrente de 2004 não foi resultado de uma escolha do governo, mas sim de um cenário de restrição de liquidez internacional ao Brasil ligado à crise das eleições presidenciais. Ele argumenta que o resultado positivo teve o mérito de mostrar aos investidores que o país, quando necessário, tem flexibilidade para fazer o ajuste necessário para honrar seus compromissos. "Daqui por diante, o Brasil, se puder escolher, vai trabalhar com um equilíbrio ou déficit de até 2% do PIB, porque a poupança externa é fundamental para que o país cresça ao ritmo de 3,5% a 4%." Amadeo diz ainda que, no caso dos asiáticos, a combinação de altos superávits e crescimento econômico é possível apenas porque naquela região a taxa de poupança é cerca de 10% maior que no Brasil. Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), reconhece que os superávits em conta corrente reduzem o crescimento potencial da economia. Mas pondera: "Dado o alto endividamento do Brasil, ampliado no período de 1994 a 1998, seria adequado manter superávits em conta corrente por um bom tempo para reduzir a vulnerabilidade externa." Ontem, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse em cerimônia no Palácio do Planalto que não está nos planos do governo uma radical guinada - de superávit para déficit. "Nos últimos dez anos, o Brasil fez uma reversão de contas externas que precisa ser olhada com mais cuidado". disse. "Muitos falam que (esse superávit) vai se inverter nos próximos três meses porque o câmbio não está ajudando. A reversão das contas externas tem muita consistência, é algo estrutural, não é uma mudança de oportunidade, circunstancial, não vale no curto prazo." O aumento do superávit em conta corrente, disse Sampaio Malan, se apoiou quase que exclusivamente no aumento do saldo do comércio exterior - que passou de US$ 24,794 bilhões para US$ 33,693 entre 2003 e 2004. Além do comércio exterior, o resultado em conta corrente é composto também pelos serviços (fretes, turismo internacional etc.) e rendas (pagamentos de juros da dívida, lucros e dividendos). Houve queda nos gastos líquidos com serviços. Um dos destaques foi o turismo internacional, que registrou superávit de US$ 351 milhões, 61% maior que no ano anterior. Os gastos de turistas estrangeiros no Brasil cresceram 29,97%, atingindo US$ 3,222 bilhões. O ritmo de alta foi mais forte do que a de gastos de brasileiros no exterior, que subiram 26,69%, para US$ 2,871 bilhões. Um item que passou a pesar mais na balança de serviços foram os transportes - ligado à maior corrente de comércio do Brasil. O déficit nesta rubrica passou de US$ 1,590 bilhão para US$ 2,081 bilhões, alta de 30,88%. O ano passado também foi marcado por maior pagamento de rendas - chegaram a US$ 20,520 bilhões, valor US$ 1,968 bilhão maior do que o de 2003. O que mais contribuiu para esse crescimento foram as remessas de lucros e dividendos, de US$ 7,338 bilhões, incremento de 30,1%.