Título: É o mínimo
Autor: Neto, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 11/01/2011, Opinião, p. 19

Inúmeros fatores podem ser listados para explicar o processo de ascensão social que ocorreu no governo Lula. A valorização do salário mínimo está, sem dúvida, entre eles. Provavelmente, foi o principal.

O ganho do salário mínimo observado desde 2004 foi o que mais impactou para o aumento da renda dos que ganham menos no Brasil. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstrou que as maiores evoluções de renda ocorreram para os trabalhadores com menos qualificação que, tradicionalmente, têm renda menor, como os trabalhadores do setor agrícola e os que labutam em serviços domésticos. Para os agricultores, o ganho foi de 21,15% entre 2002 e 2008; para os trabalhadores domésticos, 15,36% no mesmo período. A renda média do trabalho no Brasil aumentou 7,59% de 2002 a 2008. O estudo usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A análise dos dados também demonstrou ganhos acima da média nacional para os grupos de trabalhadores considerados desfavorecidos no mercado de trabalho.

É preciso garimpar muito para encontrar alguém que considere o aumento do salário mínimo desfavorável ao Brasil. É inegável que esse instrumento é o maior fator de distribuição de renda. Mais de 18 milhões de brasileiros que recebem o piso na Previdência são beneficiados diretamente com o reajuste do salário. Isso influi diretamente na economia das pequenas cidades. Em mais de 61% dos municípios, o montante pago pela Previdência Social aos aposentados é maior do que a parcela destinada pelo governo federal por conta do Fundo de Participação dos Municípios. Em outras palavras: o dinheiro dos aposentados gira a economia local.

Os brasileiros com renda nessa faixa %u2014 ou até maiores %u2014 não deixarão a ampliação de sua renda na poupança. Muito menos aplicarão na Bolsa de Valores. O dinheiro será injetado diretamente no consumo. É mais comida na mesa, roupa para a família e qualidade de vida para a população de ganho menor. Reflexo imediato no comércio, na indústria e na geração de empregos. Por seu lado, é mais arrecadação para os municípios, estados e União. O círculo virtuoso que tem movido a economia do país.

Tendo claras essas premissas, as centrais sindicais e o governo federal assinaram um acordo de recuperação do mínimo. Pela regra, o aumento será embasado na inflação do ano corrente e na variação do PIB de dois anos anteriores. O princípio da política de recuperação do salário mínimo está explícito no nome: recuperação, ou seja, garantir aumento real anual sem aumentá-lo numa única tacada.

A variação do PIB é usada como parâmetro para o aumento do piso, não o teto. Não queremos quebrar o acordo, pelo contrário. Estamos diante de um ano atípico para o país, em 2009 tivemos PIB negativo. Um ano em que muitos setores empresariais foram beneficiados por isenções fiscais. E ninguém está cobrando que esses recursos sejam devolvidos para os cofres públicos. Por isso, não é justo que os trabalhadores paguem a conta.

Atualmente, apesar dos avanços significativos, o salário mínimo está ainda muito aquém do ideal. Ele representa apenas 42% do valor de 1940 quando foi criado por Getúlio Vargas e está muito longe do valor de referência criado pelo Dieese (R$ 2.140,00). Existe ainda uma distorção, não percebida pela grande maioria, que precisamos equacionar: o piso constitucional, isto é, o salário mínimo, é 53 vezes menor do que o teto, o salário dos ministros do STF.

Portanto, as centrais sindicais consideram indispensável manter %u2014 sem intervalos %u2014 a política de valorização do salário mínimo. Defendemos um reajuste de R$ 70 este ano, ampliando o salário base para R$ 580. Estamos confiantes de que o governo será sensível a essa preocupação. Debateremos o necessário para chegarmos ao valor pleiteado, apontando alternativas orçamentárias que sustentem o aumento, mas sem perder a referência de que a decisão final de conceder o reajuste é, sobretudo, política, não econômica.