Título: Ucrânia e eleições democráticas
Autor: Khrushcheva, Nina L.
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2007, Opinião, p. A19

A campanha para as eleições parlamentares ucranianas em 30 de setembro mal começou, e o primeiro-ministro Viktor Yanukovich já está tentando roubá-las. Yanukovich é o homem que tentou fraudar o resultado da eleição presidencial de 2004, fato que provocou a Revolução Laranja. Naquele episódio, um resultado pacífico e honesto foi por fim alcançado porque o presidente ucraniano, Leonid Kuchma, recusou-se a dar ouvidos ao apelo de Yanukovich para o uso de violência na defesa de sua eleição manipulada. Desta vez, parece que Yanukovich está disposto a fazer qualquer coisa para permanecer no poder.

Os truques sujos começaram na madrugada de 11 de agosto, quando a Comissão Eleitoral Central da Ucrânia (CEC), repleta de asseclas de Yanukovich, recusou-se a homologar o maior partido de oposição - o bloco do ex-primeira-ministra Yuliya Tymoshenko -, para sua participação nas eleições. A tecnicalidade citada pela comissão seria absurdamente ridícula, se seus possíveis resultados não fossem tão incendiários: a CEC opôs-se ao fato de que os candidatos no bloco de simpatizantes de Tymoshenko registraram apenas suas cidades de origem na lista partidária, e não seu endereço preciso - rua e número. Mas o partido de Tymoshenko, sem qualquer problema, apresentou sua lista exatamente no mesmo formato na eleição de março de 2006, o que comprova o flagrante caráter sectário na decisão da comissão eleitoral.

Ao tentar apegar-se ao poder a ferro e a fogo, Yanukovich provavelmente provocará um dilúvio. Na Ucrânia, isso significa não apenas turbulência violenta, mas também declínio econômico e renovada repressão. No fim das contas, isso poderá resultar no tipo de enormes manifestações de protesto nas ruas que caracterizaram a Revolução Laranja - e a tentativa de sua supressão violenta.

A história recente está repleta de exemplos alarmantes de ditadores e aspirantes a ditadores que recusam-se a reconhecer quando seus dias terminaram. Mas, nos últimos vinte anos, o gritante estratagema político defrontou-se com uma potente nova força: a massa de cidadãos comuns que recusaram-se a se acovardar. Da revolução "Poder Popular", que derrubou Ferdinand Marcos nas Filipinas em 1986, à contestação de Boris Yeltsin à tentativa de golpe de Estado contra Mikhail Gorbachev, em agosto de 1991, às Revoluções Rosa, Laranja e Cedro em anos recentes, os ditadores vêm sendo obrigados a admitir derrota quando confrontados por um número suficiente de pessoas.

Será, realmente, necessário que os ucranianos reencenem a Revolução Laranja, voltando a reunir-se em milhões de pessoas, para forçar Yanukovich (duas vezes condenado por crimes violentos antes de entrar para a política) a mudar de rumo? Há uma pessoa que poderia compelir Yanukovich a respeitar normas democráticas e, assim, tornar desnecessários os protestos: trata-se do presidente russo Vladimir Putin. Sem sombra de dúvida, é do interesse nacional russo prevenir um caos no grande país vizinho.

Mas a concepção de Putin sobre o que constitui o interesse nacional russo torna esse tipo de intervenção improvável. Vizinhos fracos são Estados que o Kremlin pode controlar e, assim sendo, por que não expandir o poderio russo deixando a Ucrânia mergulhar em protestos e anarquia, se isso levar o país de volta à influência de Putin? Além disso, o próprio Putin está engajado na esterilização dos processos democráticos russos, escolhendo a dedo seu sucessor e fazendo com que seus tribunais e comissões eleitorais bloqueiem a participação política de adversários, freqüentemente acusando-os de traidores. É improvável que alguém com tal desdém pelos direitos democráticos de seu próprio povo se disponha a defendê-los em outros países.

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Como é costumeiro no caso desse ex-homem da KGB, Putin está usando de astúcia em relação à Ucrânia, mas está se iludindo se acreditar que seu alinhamento com Yanukovich trará de volta o efetivo comando russo sobre a Ucrânia. Os dias de império terminaram, não importa quanta riqueza o petróleo e o gás estejam proporcionando à Rússia. Somente se a Ucrânia mantiver sua independência, a nostalgia imperial das elites russas será destroçada.

Portanto, outras pressões precisarão ser aplicadas, primordialmente pela União Européia (UE) e pelos EUA. Em 2004, tanto a UE como os EUA demoraram a falar em defesa dos democratas ucranianos. Somente quando a coragem de milhões de cidadãos ucranianos comuns reuniram-se no centro de Kiev, galvanizando a opinião pública mundial, os EUA e a UE reuniram a coragem de posicionar-se por um resultado eleitoral honesto.

E a Polônia, único país que então posicionou-se efetivamente ao lado da Ucrânia, agora antagonizou grande parte da opinião pública na UE, especialmente na Alemanha, devido ao comportamento paranóico de seus atuais líderes. Por isso, a influência polonesa nos conselhos da UE está em nível baixíssimo. Afortunadamente, os líderes dos três maiores países europeus são pessoas distintas das que ocupavam o poder em 2004. Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Gordon Brown parecem ter uma apreciação mais clara dos problemas de segurança a Leste da UE, e por isso poderão reunir a vontade de agir decisivamente desta vez em vez de hesitar, como o fizeram seus predecessores quando a Ucrânia entrou em crise em 2004.

A menos que a oposição democrática ucraniana seja autorizada a tomar parte na eleição, uma nova crise será inescapável. Tymoshenko, que sobreviveu a três tentativas de assassinato, não é o tipo de mulher que desistirá de sua campanha por uma tecnicalidade.

Embora a Revolução Laranja tenha tornado os cidadãos ucranianos comuns mais conscientes de seus direitos do que em qualquer momento anterior, apenas isso não garantirá que eles vejam esses direitos confirmados nas próximas semanas. Mas tornará o trabalho da repressão bem mais difícil. E não é essa a essência da luta pela democracia?

Nina Khrushcheva é professora de Relações Internacionais na The New School em Nova York. Seu livro "Imagining Nabokov: Russia Between Art and Politics" será publicado ainda este ano.