Título: Polícia Civil sob comando feminino
Autor: Tahan, Lilian; Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 11/01/2011, Cidades, p. 25

Mesmo contrariando alguns grupos da corporação, Agnelo dá posse a Mailine Alvarenga. Nos próximos dias, ela deve substituir postos-chave em unidades policiais, o que desagrada os delegados mais antigos

Em meio a insatisfações, o governador Agnelo Queiroz (PT) prosseguiu com sua estratégia de mudar o eixo de forças na Polícia Civil. Na tarde de ontem, o petista deu posse à delegada Mailine Alvarenga, que a partir de agora comandará a corporação. A nomeação de Mailine provocou a reação de grupos que temem perder espaço e, sobretudo, não aceitam o rearranjo de funções previsto para delegacias e postos-chave na polícia. A providência, no entanto, é vista entre os aliados do novo chefe do Executivo como uma medida de sustentatilidade.

A posse de Mailine derrubou as especulações de que ela não assumiria o cargo. No último fim de semana, os boatos dando conta de que a delegada não participaria da solenidade de ontem ficaram mais fortes. Circulava a informação da existência de um dossiê que poderia prejudicá-la. Integrantes do núcleo do governo Agnelo se reuniram e avaliaram eventuais desgastes que a confirmação de Mailine provocaria ao governo ainda em formação. Ela recebeu o cargo de Pedro Cardoso, que chefiou a corporação durante a crise política no DF.

Na disputa por espaço, distritais ligados à Polícia Civil também se mobilizaram. Dr. Michel (PSL), Alírio Neto (PPS), Wellington Luiz (PSC) e Claúdio Abrantes (PPS) filtraram parte das reclamações da corporação. Wellington e Dr. Michel estavam mais afinados com a vontade do governo de bancar Mailine. Alírio se queixou com pessoas próximas de não ter sido ouvido. Ele não foi à posse.

No governo Arruda, Alírio ¿ que se reelegeu para mais um mandato, mas assumirá a Secretaria de Justiça e Cidadania ¿ teve grande influência na Polícia Civil. Delegado aposentado, foi dele a indicação de Cléber Monteiro, que comandou a corporação durante quase três anos. A queda de Arruda com as revelações da Operação Caixa de Pandora mudou a configuração de forças na Polícia Civil e, consequentemente, o perímetro de influência de Alírio sobre o setor.

Poderosa ferramenta A Polícia Civil do DF sempre foi usada como uma poderosa ferramenta do Executivo, subsidiando os governantes com informações privilegiadas. Durante as gestões de Joaquim Roriz (PSC), o homem forte da corporação era Laerte Bessa, que acabou se tornando deputado federal, mas não se reelegeu no ano passado. Bessa acompanhou Roriz na ocasião do rompimento com o PMDB e seguindo os passos do político se filiou ao PSC. Municiava o aliado com dados de investigações lideradas pela Polícia.

Mesma rotina foi determinante para que em 2007 o ex-governador Arruda soubesse com antecedência de, pelo menos, dois dias que o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcício Franklim de Moura seria preso por determinação judicial. Ele era investigado na Operação Aquarela. O vazamento de informações acabou motivando a abertura de um inquérito civil por iniciativa do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do DF.

Na tentativa de evitar que a polícia jogue em time adversário, Agnelo tomou algumas providências no início de seu governo. A mais significativa foi ter subordinado a corporação à Secretaria de Segurança. A escolha de Mailine foi mais uma medida na tentativa de esvaziar o poder de grupos vinculados a adversários políticos.

Carta branca Durante a solenidade de posse, tanto o governador quanto a nova diretora da Polícia Civil minimizaram as reações contrárias à escolha de Mailine. Agnelo Queiroz afirmou que os rumores de insatisfação nunca chegaram a ele. Reforçou a qualificação técnica da delegada e disse que a opção foi uma decisão dele e do secretário de Segurança, Daniel Lorenz. ¿Queremos despolitizar a Polícia Civil. Esta é uma visão que vai deteriorando e corroendo a estrutura de uma instituição de Estado. Não pode ser a polícia de A ou de B. Tem que ser a polícia do povo do DF, com a missão de investigar, prender bandido e disso não abro mão um milímetro¿, declarou.

Segundo Agnelo, a delegada assume com carta branca para escolher a sua equipe e nomear os chefes das unidades o que, aliás, está deixando em polvorosa delegados antigos e à frente de postos estratégicos. A tendência é que nos próximos dias haja uma troca de funções. A posse foi em um auditório pequeno, mas lotado, do Departamento de Polícia Especializada. Comandantes da Polícia Civil nos governos Roriz e Arruda, Laerte Bessa e Cléber Monteiro participaram discretamente da solenidade.

PERFIL - MAILINE ALVARENGA 22 anos de carreira A nova diretora-geral da Polícia Civil atua há 22 anos na corporação. Já trabalhou nas delegacias de Taguatinga (12ª DP), do Lago Norte (9ªDP) e do P Norte, em Ceilândia (19ª DP), além de ter chefiado a Corregedoria. Entre as unidades especializadas, esteve à frente da Delegacia do Consumidor (Decon), de Repressão a Pequenas Infrações (DRPI), Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e, desde 2008, chefiava a Delegacia de Capturas e Polícia Interestadual (DCPI), onde permaneceu até 31 de dezembro de 2010. Ao longo da carreira, recebeu vários elogios e condecorações, entre eles o título de Cidadão Honorária de Taguatinga, Medalha do Mérito Feminino, oferecida pelo Instituto Internacional de Proteção às Ciências e à Cultura. Além disso, por sua atuação em Taguatinga, foi agraciada com o diploma Mulheres que Brilham. É a primeira mulher a assumir a direção da Polícia Civil no Distrito Federal.

Ampliação do quadro

A delegada Mailine Alvarenga assume a Polícia Civil com o compromisso de aproximar a instituição da comunidade, adequar o quadro de pessoal à nova realidade do DF e ampliar os investimentos em equipamentos e novas tecnologias. No discurso de posse, Mailine anunciou que fará mudanças ¿naturais¿ e pediu a compreensão dos servidores nesse período. A intenção é resgatar policiais com desvio de função para atuar na atividade fim.

Ao comentar a insatisfação de parte da corporação com a escolha de seu nome, Mailine disse que um ou outro servidor pode se sentir desconfortável no primeiro momento, mas todos serão adequados. ¿Vocês têm que observar o seguinte: é a primeira vez que uma mulher ocupa esse cargo. Tem aquela resistência natural por ser uma mulher. Mas temos que deixar isso de lado e o pensamento é único: reduzir a criminalidade¿, assegurou.

Escolha A diretora afirmou que ainda não concluiu a escolha de quem vai ocupar cargos estratégicos dentro da corporação, mas adiantou que ela será feita com base no perfil profissional de cada um. ¿Mudanças dessa natureza são naturais. Temos que olhar onde os índices de criminalidade estão mais altos e atuar nesses pontos de forma mais incisiva. Mas está tudo na paz, em harmonia na Polícia Civil¿, reforçou.

Adequar os quadros da Polícia Civil é outra meta da nova diretora. Ela lembrou que nos últimos anos a população do DF cresceu, unidades policiais foram criadas, mas o número de servidores permanece o mesmo. Mailine espera a conclusão de estudo para definir qual é o deficit em cada área. Atualmente, são cerca de 5 mil profissionais. ¿Precisamos de mais policiais para dar um atendimento mais rápido e eficiente à população.¿

A Corregedoria será reforçada. Segundo Mailine, o órgão deve apurar os desvios de conduta, mas, principalmente, orientar o profissional no exercício de sua profissão. Questionada sobre o desfecho do crime da 113 Sul e sobre as apurações envolvendo o trabalho da delegada Deborah Menezes (8ª DP) e Mabel de Faria, titular da Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida), foi cautelosa. ¿Sobre o crime, o caso está com a Justiça e corre sob segredo, então a Polícia Civil não pode comentar. Em relação às doutoras Deborah e Mabel, se houve qualquer desvio, nossa Corregedoria vai apurar¿. (AB)