Título: Projeto autoriza Sabesp a atuar em limpeza urbana e é criticado
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2007, Brasil, p. A3

O projeto de lei que cria a Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp), enviado pelo governador José Serra à Assembléia Legislativa há duas semanas, permite à Sabesp entrar em outras áreas do saneamento, como a de limpeza urbana e resíduos sólidos. Isso retira a necessidade da companhia estadual pedir permissão ao legislativo paulista a cada mudança de estratégia nos negócios. Hoje, a empresa oferece apenas serviços de água e esgoto.

As prefeituras são responsáveis pela contratação das empresas de saneamento em todas as áreas, mas o projeto que cria a agência garante "caráter preferencial" à operação da Sabesp nas cidades em que o Estado mantiver um "convênio de cooperação" com o município - instrumento jurídico permitido pela Lei de Consórcios.

A "preferência" dada à Sabesp - e que se estende ao segmento de resíduos sólidos - causou preocupação entre as companhias de lixo. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) entendeu a introdução desse artigo como uma tentativa de criar reserva de mercado à companhia estadual. "Não achamos correto que uma empresa de capital aberto como a Sabesp, que também visa o lucro de seu acionista, tenha preferência para atuar garantida em lei", diz Carlos Silva Filho, advogado da entidade.

A secretária estadual de Saneamento e Energia, Dilma Pena, defende o mecanismo e argumenta que ele não afronta a concorrência. O governo optou por introduzir a regulamentação da expansão da Sabesp na lei para evitar que a empresa tenha que recorrer ao legislativo a cada decisão de atuar em um novo mercado, o que poderia atrasar os planos da companhia estadual. "A ampliação das atribuições da Sabesp passará da mesma forma pelo crivo da Assembléia com a votação da lei", diz Dilma.

A entrada no mercado de lixo constará no planejamento estratégico da Sabesp de 2008, informa seu presidente, Gesner Oliveira. "O crescimento da economia nos anima a buscar elevação das receitas da Sabesp com a oferta de mais serviços, como o de drenagem e manejo de resíduos sólidos", diz o executivo. O objetivo da Sabesp, explica Gesner, é se tornar uma empresa de soluções ambientais, o que inclui, além do lixo, a drenagem e o manejo de águas pluviais.

A preocupação do setor do lixo é o caráter preferencial que a Sabesp tem para atuar nas cidades que assinam convênio de cooperação com o Estado. A Lei de Consórcios possibilita que esses municípios concedam a operação do saneamento à Sabesp por meio de um "contrato de programa", que substitui o de concessão e dispensa a abertura de um processo licitatório. É dessa forma que a Sabesp vêm renovando seus contratos na área de água e esgoto este ano. Até agora, foram assinadas renovações com seis cidades, e há outros 60 contratos já encaminhados.

Depois da entrada em vigor da Lei federal de Saneamento em fevereiro, nenhum novo contrato entre prefeituras e empresas privadas de água e esgoto foi assinado, já que os trâmites de uma licitação são mais demorados. As empresas de lixo temem que essa mesma realidade de não concorrência passe a fazer parte de seu mercado com a investida futura da Sabesp na área de resíduos sólidos. "Mandar um projeto de lei que foi feito sem muito alarde para ser votado em regime de urgência inviabiliza qualquer discussão", diz o advogado da Abrelpe, Silva Filho. A secretária Dilma Pena diz, porém, que entidades do setor foram ouvidas na formulação do projeto, e que sugestões foram incorporadas ao texto. Para as idéias não aceitas, a recomendação foi de que as entidades as levassem à Assembléia.

A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) chegou a se reunir com a secretaria e não viu problemas sérios no projeto. Segundo Yves Besse, diretor da entidade, não faz diferença a lei citar a preferência da Sabesp. "O importante é que agora ela será regulada por um ente externo", diz.

Já foram apresentadas 189 emendas ao projeto que cria a agência. Uma delas pede a retirada do artigo 63, que cita o caráter preferencial à Sabesp e trata da ampliação de seus serviços. O autor, deputado Rui Falcão (PT), justifica que "a legislação visa à criação de uma agência e não a regulamentação da Sabesp". Segundo a emenda, a regra é "dispensável", pois a administração e expansão do sistema gerido pela Sabesp estão previstos em lei estadual de 2006.

Um projeto substitutivo ao do governo foi apresentado pelo deputado Donisete Braga (PT). Ele atribui caráter deliberativo ao Conselho Orientador da Arsesp.