Título: Tempestade depois da bonança
Autor: Angelo Pavini e Flavia Lima
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, EU &, p. D1

Em menos de três semanas, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo já caiu 9,88%, anulando praticamente todo o ganho do final do ano passado, quando o indicador chegou ao recorde de 26.196 pontos. Até agora, o Ibovespa acumula a maior queda entre os principais mercados internacionais (ver quadro). A pergunta é: o que mudou a partir de 1º de janeiro para justificar essa reversão de cenário? A virada para pior da Bovespa inclui fatores externos e internos, afirmam analistas. A redução do imposto de renda sobre renda variável a partir do dia 1º, de 20% para 15%, e o aumento do limite de isenção para R$ 20 mil fizeram com que muitos investidores adiassem as vendas. "O pessoal estava com o dedo no gatilho e vendeu logo no início do ano", diz Rodrigo Tamer, da R. Tamer Assessoria de Investimentos. Logo depois, o Federal Reserve (Fed), banco central americano, sinalizou que poderia subir os juros mais rapidamente do que o esperado para combater a inflação, reduzindo o apetite por papéis de países emergentes. A esse fator juntou-se o aumento dos juros locais por conta da expectativa de inflação mais alta. A indicação do Banco Central brasileiro de que os juros podem continuar subindo surpreendeu o mercado. Uma das razões para a forte queda está justamente na rápida alta no fim do ano passado. Agora, com indicações que o cenário positivo pode demorar ou não se realizar totalmente, os preços estão voltando. Mas o mercado pode estar exagerando na dose agora novamente, só que na queda. "A bolsa tem bons motivos para voltar a subir, talvez não de maneira geral, mas alguns setores", afirma Tamer. Entre os segmentos indicados pelos analistas estão os bancos, que se beneficiam da alta dos juros e do crescimento. Outros beneficiados podem ser telecomunicações e elétricas, que caíram fortemente neste início de ano - mais líquidos, esses papéis são os que mais sofrem quando os grandes investidores saem do mercado. A queda da bolsa reflete o ajuste técnico das carteiras dos investidores locais e estrangeiros, diz Walter Mendes, diretor de Renda Variável do Itaú. Mas ele acha que o mercado local está exagerando nesse ajuste. Tanto que o Ibovespa continua caindo enquanto o risco-Brasil se mantém nos 430 pontos. Para ele, no momento que o mercado mudar o humor, a reversão para acima do índice também pode ser rápida. E isso pode ocorrer quando ficar mais claro até onde vai a alta dos juros. Segundo Mario Quaresma, superintendente de Renda Variável da BankBoston Asset Management, os investidores estrangeiros começaram o ano vendendo ações brasileiras e de outros emergentes, logo após os sinais do Fed, mas depois houve recuperação e hoje está praticamente zero a zero. Até dia 17, o saldo de investidores estrangeiros na Bovespa era positivo, em R$ 64 milhões. Em seguida vieram dados piores de inflação e do Copom, o que provocou a reação dos investidores locais. Quaresma acredita que os fatores externos vão ser os mais relevantes para a bolsa brasileira daqui para frente. Ele está revendo para baixo a expectativa para o Índice Bovespa no fim do ano. Mas como o mercado caiu bastante, o ganho ainda pode ser atraente para o investidor. "Hoje, mesmo nesse cenário mais difícil, o Brasil tem uma situação de contas externas e fiscais mais positivas que nas outras viradas de mercado", diz. No fim de 2004, o Brasil era o investimento da moda, com bons números da economia e inflação controlada, diz Jorge Xavier, sócio gestor da Quest Investimentos. Mas, ao longo de janeiro, esses fatores foram mudando e há dúvidas até onde o ajuste dos juros pode chegar. Junto com isso, houve a mudança no cenário externo. "E essa reversão pegou o mercado comprado em bolsa e papéis brasileiros", diz. Xavier acredita, porém, que o cenário para a bolsa não mudou, que esta queda é uma correção técnica e que, olhando o índice, é possível encontrar empresas muito baratas, em setores como siderurgia e mineração. O mercado de ações é dado a fortes altas e baixas emocionais, lembra Jorge Simino, da MS Consulting. Ele diz que, no fim do ano, o Índice Bovespa projetado indicava um ganho neste ano de 22% - um percentual baixo se comparado a um juro médio de 17% da Selic. "O mercado estava puxado", avalia. Mas ele também acha que a queda agora pode estar exagerada. Refazendo a conta com o atual nível do Ibovespa, o ganho projetado sobe para 34%, o que já compensaria o risco. Mas no curto prazo, o mercado pode continuar volátil, aguardando a ata do Copom, que pode dar uma idéia até onde irá a alta dos juros. Ike Rahmani, da Tática Asset Management, diz que, quando há estresse no mercado, o impacto maior vai todo para a bolsa. Ele acha que ainda não dá para dizer que o mercado está num momento de oportunidade com pouco risco, mas há alguns papéis ficando baratos, como setor consumo - com papéis como AmBev e Sadia - e papel e celulose. "Talvez caindo mais 3% fique atrativo para comprar", diz. A decisão de aumentar os juros básicos da economia colocou mais água fria num movimento que é mundial, diz o administrador de renda variável do BNP Paribas Asset Management, Jacopo Valentino. Ele avalia que o momento é bom para ir às compras no mercado acionário, mas sugere cautela. "O nível é tentador, mas não colocaria todo o dinheiro de uma vez", diz o executivo. Para o investidor pessoa física, ele recomenda a escolha de um fundo de ações. Segundo Valentino, as empresas não estão caras, mas uma retomada para além dos 26.000 pontos - o nível alcançado em dezembro de 2004 - dependeria de um aumento do fluxo de capitais e também de uma queda dos juros. "Não sabemos até que ponto o Banco Central está disposto a perseguir a meta inflacionária", diz. O administrador do BNP lembra que algumas empresas conseguem se sobressair em meio às perdas porque contam com um cenário específico favorável, como é o caso dos setores bancário e de siderurgia e mineração.